quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Moradia: em SP, angolanos ocupam e resistem ao despejo

 


Por Renan Honorato, na Agência Pública

No dia em que um temporal cobriu São Paulo, com rajadas de vento de até 100 km/h, os moradores da ocupação do edifício Granjal viram uma fumaça sair da caixa de luz em frente ao prédio, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na Bela Vista, na capital paulista. Cerca de 100 imigrantes angolanos moram ali, desde 2022, em condições precárias.

São 60 famílias, compostas, em média, por quatro a cinco pessoas, que ocupam 50 apartamentos, dividindo ambientes com cortinas e placas de madeira. Eles chegaram ao Brasil fugindo da instabilidade política e econômica no seu país.

Mas, mesmo após cruzar o oceano Atlântico, a incerteza ainda domina a vida das famílias. Há um ano, elas estão sob ameaça de despejo. “Ficamos nesse desespero, não conseguimos dormir direito, porque a gente não sabe [a data para desocupar o prédio]; a qualquer momento, a polícia pode bater para a gente sair. Não estamos em paz, eu não desejo isso para ninguém”, conta Paulina Sebastião, 43 anos, moradora do Granjal desde 2023.

O prédio é alvo de uma disputa judicial, desde 2021, quando a família Bomfim de Carvalho, proprietária do imóvel, entrou com um processo de reintegração. Os angolanos que moram no Granjal não são imigrantes ilegais, segundo informações dos órgãos públicos consultados pela reportagem. Ainda assim, em maio de 2025, a juíza Camila Franco, da 21ª Vara Cível de São Paulo, sentenciou a desocupação, citando as políticas anti-migratórias do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

“Lamentando-se o grave problema social, porém, as políticas públicas sofrem os efeitos e não podem pagar a conta destes males; inclusive o governo americano atualmente decretou tolerância zero para imigrantes ilegais”, escreveu.

Para o advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Eduardo Abramowicz, a argumentação da juíza, que citou políticas antimigração de Trump na ordem de despejo, fere direitos fundamentais.

“Adotar como referência a postura americana de migração — com prisões arbitrárias, deportações em massa em condições precárias e não observação do devido processo legal — não me parece observar o respeito aos direitos como o direito à moradia, a necessidade de cumprimento da função social ou aspectos urbanísticos, como o zoneamento.”

A reportagem pediu um esclarecimento ao Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a postura da juíza; porém, a instituição afirmou que “os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento.”

Puxadinho

A refugiada Elisa José, 42 anos, que vive há quase dez anos no Brasil com três filhos, é uma das moradoras do prédio. Nem todos os apartamentos possuem banheiro, e as pessoas precisam dividir os lavabos adaptados com chuveiro no corredor. Por ser uma das moradoras antigas — ela está no Granjal desde 2022 — conseguiu fazer um puxadinho, anexando o banheiro ao dormitório.

Como ela não consegue trabalhar por questões de saúde, a família sobrevive com a renda de aproximadamente R$ 300 do filho mais velho, que trabalha como cabeleireiro, e de doações da vizinhança. Ela recebia Bolsa Família, que foi bloqueado depois que faltou ao atendimento. “No dia em que fui resolver, quase caí pelo caminho [devido à doença]”, conta.

Segundo Elisa, os moradores não foram ouvidos nem notificados de audiências de reintegração de posse do prédio. Eles só tomaram conhecimento da ordem de despejo em outubro de 2024, quando se mobilizaram para entender o processo. “Ninguém veio aqui, tudo estava em silêncio. O advogado que estava no processo disse que tentaria nos ajudar, mas avisou: ‘Vocês não têm mais direito nenhum’.”

“O que faz uma pessoa morar numa ocupação é a dificuldade. Você ganha pouco, precisa pagar luz, água, colocar comida dentro de casa. Não dá para morar numa casa normal e pagar tudo com aquele dinheiro. Eu vou ficar sem nada se eu estiver num lugar em que vou ter que pagar ônibus e metrô. É por isso que a maioria dos estrangeiros quer morar perto do centro, para conseguir um emprego mais fácil”, diz Elisa.

Os autores do processo, Mariana Roggero e seus irmãos, afirmam que não foi possível citar os atuais moradores por conta da rotatividade dos ocupantes no prédio. Também alegam que as famílias não são vulneráveis, pois pagariam um valor de contribuição e manteriam quatro empresas registradas no endereço. Essas alegações foram rejeitadas pela Justiça.

“O imóvel é ocupado por mais de 100 pessoas. Não seria possível traçar o perfil da ocupação com base numa suposta foto de um suposto ocupante e não é possível concluir que a abertura de empresa ali implicaria na inexistência de vulnerabilidade”, explica a defensora pública Eleonora Nanni Lucenti.

A Defensoria Pública, que passou a atuar no caso em 2022, afirma que cabia à Justiça intimar os moradores. Em agosto deste ano, a Defensoria apresentou um recurso para adiar o cumprimento da decisão do tribunal e dar mais tempo para as famílias se prepararem. O principal argumento é que a prefeitura não fez um mapeamento aprofundado da situação dessas famílias e quais instalações poderiam recebê-las. Segundo Lucenti, a data para remoção dos ocupantes do Granjal é incerta: “Essa decisão pode sair amanhã, como daqui a um ano. É uma coisa completamente imprevisível.”

Mesmo com tentativas de negociação e propostas de pagamento de aluguel para os proprietários — que foram recusadas pela família Bomfim —, a juíza Camila Franco manteve a decisão de despejo, que poderá ser cumprida com o uso de força policial a qualquer momento.

A jornalista Mariana Roggero, principal representante dos espólios da família, afirma que, entre 1980 e 1990, o imóvel foi alugado pelo governo paulista e, depois, pela Faculdade Paulista de Artes, despejada em 2020 por falta de pagamento. Segundo relata, entre os meses que o prédio ficou desocupado, pessoas ligadas ao Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) teriam começado a ocupar o prédio.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que o edifício e a ação de desocupação tratam de um imóvel particular, mas que o município tem acompanhado as negociações conduzidas pelo Judiciário para buscar uma solução consensual.

Famílias em busca de uma vida melhor

As décadas de gestão do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foram marcadas por escândalos de corrupção envolvendo elementos centrais do partido, além de altos índices de desemprego e inflação. Ainda hoje, um terço da população angolana vive abaixo da linha da pobreza.

Entre julho e agosto de 2025, o aumento do preço do gasóleo provocou uma onda de protestos de grande escala, liderados por jovens e trabalhadores informais, que foram reprimidos violentamente pela polícia, deixando dezenas de mortos e mais de mil presos. Durante as entrevistas para esta reportagem, poucas pessoas se sentiram confortáveis em falar sobre a situação política do país, em razão da perseguição que ainda ocorre em Angola.

Paulina Sebastião chegou ao Brasil em 2015 com seu marido e filho mais velho, quando a perseguição política contra ativistas de oposição ao MPLA se acirrou e ela começou a sofrer ameaças em razão de sua relação com representantes desses grupos de protesto. “Em Angola, quando você não faz parte do governo que está no poder, tem sempre perseguição”, diz.

“O aluguel não tá fácil”, diz Paulina. Foto: José Cícero

Depois de imigrar, o casal decidiu seguir por caminhos distintos, e Paulina passou a morar em um centro de acolhida localizado na Rua da Abolição, no centro de São Paulo. Paulina morou em diferentes imóveis na tentativa de equilibrar as despesas com os filhos e o aluguel. “Imagina, alugar um quarto de R$800, com salário, com filho, alimentação, é muita coisa”, conta.

Paulina, o atual marido e seus três filhos sentem que morar na ocupação do Granjal é a única opção possível, já que ela não consegue trabalhar em razão de uma tendinite aguda nos pulsos. Segundo ela, apesar de já ter olhado prédios ao redor, todas as ocupações próximas estão lotadas.

“Se dessem tempo para a gente poder se preparar. Pelo menos a gente conseguiria ir atrás de outras ocupações ou ver qual é o bairro mais barato. Normalmente, as ocupações que invadiram agora, amanhã já não têm espaço, porque é muita gente; o aluguel não tá fácil”, diz Paulina.

Outra moradora do Granjal, Mena José, 40 anos, diz que vive com medo do despejo. “É R$ 1,2 mil para cima em um quarto. Se pelo menos dessem o dia [da desocupação], íamos estar mais cientes, mais preparados. [Isso] cria uma angústia muito grande, é uma coisa que tira o sono, uma aflição enorme”, diz.

Mena mora com o filho no Granjal, mas vive com medo do despejo. Foto: José Cícero

Acompanhada dos filhos e do companheiro, Mena chegou ao Brasil em 2016. Por cinco anos, conseguiu morar de aluguel com a família, principalmente porque tinha a ajuda do salário do ex-marido, que se esquivou das responsabilidades paternas. Atualmente, Mena conseguiu um emprego como auxiliar de cozinha na região da Lapa. Enquanto trabalha, a filha mais velha, de 14 anos, ajuda a cuidar dos três irmãos mais novos.

Sem água e sem perspectivas

No final de outubro de 2025, quando a reportagem foi ao Granjal pela última vez, a água no prédio tinha sido cortada. Segundo as moradoras, as primeiras faturas de água vinham com um valor acessível, de R$ 65, porém, com o tempo, elas aumentaram e chegaram a R$ 20 mil. Segundo Mariana Roggero, proprietária do prédio, há um vazamento, o que poderia justificar as contas na casa dos milhares.

Para que possam ter água para tomar banho ou fazer comida, as 60 famílias vivem uma rotina de racionamento: a cada três dias sem ligar a água, conseguem encher o tanque e acionar a bomba d’água por uma hora. No apartamento de Mena, há uma pilha com seis ou sete grandes baldes vazios.

“Quem mora em cima sofre mais”, diz Elisa. Agentes de saúde ouvidos pela reportagem disseram que já atenderam três mulheres grávidas no prédio, que estavam morando no décimo andar, o que dificultava o acesso às consultas médicas. Quando estava grávida, Paulina — que teve uma gestação de risco da filha, Zelda — não podia subir nem descer as escadas, mas, nem sempre era possível evitar. “Quando ia para a consulta, tinha que descer”, lembra.

Atualmente, a capital paulista tem cinco centros de acolhimento, sendo a Casa de Assis o mais próximo ao edifício Granjal. Segundo a prefeitura, esses equipamentos totalizam 900 vagas para imigrantes. Contudo, para Elisa, Mena e Paulina, ir para os abrigos não é uma opção, principalmente se tiverem que se separar dos filhos. Elas contam que a vida nos abrigos era complicada, tendo presenciado agressões físicas e furtos por parte das pessoas que moravam lá.

A Secretaria Municipal de Habitação não oferece benefícios para os ocupantes de moradias irregulares, como auxílio-aluguel, por exemplo. “A única possibilidade são os abrigos provisórios. A alternativa que a Prefeitura oferece é inviável. Uma família não vai morar num abrigo. Existe algum abrigo que atenda um casal com filhos ou uma família grande?”, questiona a defensora pública.

Elisa, que já morou em um abrigo da prefeitura, disse que, em alguns locais, pedem que as mães com bebês saiam de seus quartos pela manhã e só retornem ao anoitecer. “Eles só davam um pão para a gente, tinha que comer a comida de dois ou três dias. Eu prefiro ficar na rua, com meus três filhos, do que voltar para lá”, disse.

Imigrantes enfrentam preconceito

O racismo e a xenofobia marcam as histórias dos imigrantes que moram na ocupação do Granjal. Elisa conta que seu filho mais velho, João, foi chamado de “macaco” na escola. Em outra situação, ao procurar emprego, ela descobriu que o endereço informado por um funcionário de uma loja no shopping próximo ao Theatro Municipal era de um zoológico.

Para o professor Edmilson Garcia, da Universidade de Integração Intelectual da Lusofonia Afrobrasileira (UNILAB), o preconceito molda a experiência dos imigrantes africanos no Brasil. “Por mais que a gente fale português, até a língua ainda é uma barreira. Uma pessoa de fora, que não fala exatamente a língua nativa, tem nela uma forma de pertencimento e de exclusão.”

Também angolano, Garcia chegou ao Brasil há dez anos, com bolsa de estudos, e trabalhou na ONG Educação Sem Fronteiras, que ensina português a imigrantes a partir de temas práticos, como os tipos de documentação e a validação de diplomas universitários. “Muitos vêm com formação do seu país, mas a validação ainda é difícil. Muitas vezes não há vagas suficientes, e essas pessoas acabam no trabalho informal”, explica.

Em meio à ameaça de despejo pela força, Elisa lamenta as dificuldades que tem passado desde que saiu de Angola. “Eu tinha tudo, agora não temos nada”, e acrescenta: “Se eles vão tirar a gente, pelo menos a prefeitura poderia ajudar com um auxílio de casa. Demora anos para oferecerem o Minha Casa, Minha Vida para a gente.” Desde que os imigrantes atendam aos mesmos requisitos que os brasileiros — como comprovação de renda, não possuir outro imóvel e estar cadastrados no CadÚnico, eles podem participar dos programas de assistência social em São Paulo.

Mena, que também já entrou na fila do programa, ainda não teve resposta. Segundo o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo (NHABURB), já foram feitos pedidos de acesso à fila dos programas de habitação; porém, o núcleo afirma que esses acessos têm sido negados pelos responsáveis.

A Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) participou de reuniões com propostas de atendimento habitacional às famílias, e equipes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) estiveram no local em maio de 2025, identificando 58 famílias cadastradas no CadÚnico, com documentação regular e crianças matriculadas em escolas públicas.

A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) informou que tem ampliado a rede de apoio à população imigrante, com mais de 46 mil atendimentos desde 2020 no Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI Oriana Jara). A prefeitura também mantém o CRAI Móvel, que percorre diferentes regiões da cidade e oferece cerca de 900 vagas em centros de acolhimento voltados a imigrantes.

Além de solicitar entrevista com a OSCIP responsável pela gestão do CRAI e da Casa de Assis, a reportagem pediu uma visita às instalações físicas de ambas as unidades. A prefeitura disse não haver funcionários disponíveis para acompanhar a agenda durante as tratativas, que duraram duas semanas.

Para a ativista e ex-secretária de direitos humanos de São Paulo, Soninha Francine, faltam programas habitacionais adaptados às necessidades dos imigrantes, que incluem redes de apoio, serviços e acesso ao trabalho. “O que dá para fazer é criar um programa de locação, ou melhor, ampliar o programa de locação social para essas pessoas que têm capacidade de fazer um pagamento mensal e estão dispostas a isso. Uma outra possibilidade — mas essa também bem arriscada juridicamente falando — é conceder o auxílio Reencontro para que essas pessoas continuem morando onde estão.”

Rafael Negreiros, da Defensoria Pública, lembra que São Paulo não possui uma política habitacional efetiva. “Temos uma política de expansão urbana, não de habitação. O Plano Local de Habitação de interesse social de 2016 foi enviado à Câmara e nunca foi aprovado.”

Atualmente, Rafael coordena o Observatório das Comunidades, ligado ao NHABURB. O grupo nasceu de demandas dos movimentos de moradia e busca atuar diretamente nas comunidades. No caso dos imigrantes angolanos, o Observatório informou que está tentando aprofundar o diálogo com o Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI) Oriana Jara, unidade próxima à ocupação do Granjal. “O poder público deveria olhar essas pessoas não como problema, mas como fonte de contribuição para a sociedade brasileira”, avalia Garcia.

O artigo 5º da Constituição Federal garante aos refugiados e imigrantes em território nacional os mesmos direitos que cidadãos brasileiros, como o direito à segurança e à moradia. Enquanto isso, a Lei de Refúgio nº 9.474/1997 confere aos refugiados o pleno acesso ao trabalho formal e aos serviços públicos, como assistência social. Vigente desde 2017, a Lei de Migração estipula o princípio de universalidade dos direitos humanos, além da difusão de garantias para imigrantes. Inclusive, sendo garantido pelo Estado aos pais de nascidos no Brasil, mesmo sendo imigrantes, os mesmos direitos que os brasileiros.

Em outubro de 2025, o Governo Federal publicou o decreto que institui a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. Com a proposta de coordenar e articular ações setoriais entre as esferas federais, estaduais e municipais, o decreto reconhece a população migrante, refugiada e apátrida como propulsora do desenvolvimento econômico e social do país. Além disso, passa a valorizar o enraizamento comunitário na implementação de mecanismos de promoção da migração regular.


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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Chile e Peru planejam patrulhas conjuntas em sua fronteira compartilhada

 

Chile e Peru planejam avançar hoje com a implementação de patrulhas conjuntas em sua fronteira compartilhada, conforme um acordo adotado durante a primeira reunião do Comitê Binacional de Cooperação em Migração.

A reunião, liderada pelo Ministro das Relações Exteriores, Alberto van Klaveren, e seu homólogo do país vizinho, Hugo de Zela, ocorreu após movimentações de pessoas ao longo da linha de demarcação, que o governo descreve como normais e a oposição como uma crise.

Ambos os países defenderam mecanismos de coordenação entre os Carabineros chilenos e a Polícia de Investigações com a Polícia Nacional peruana para facilitar ações conjuntas e uma melhor gestão da migração e do controle de fronteiras.

As partes também concordaram em realizar uma reunião de acompanhamento do Comitê Binacional em 19 de dezembro para revisar os acordos alcançados, de acordo com uma nota publicada no site do Ministério das Relações Exteriores.

Na última sexta-feira, o governo peruano declarou estado de emergência na fronteira com o Chile e anunciou o reforço da presença militar na região para evitar uma possível onda migratória.

No entanto, as autoridades chilenas descartaram a existência de uma crise na fronteira e afirmaram que entre os complexos de Santa Rosa e Chacalluta existe um problema específico e isolado devido a pessoas que ficaram retidas no local e não conseguiram atravessar para o Peru.

“Em termos de migração, não há crise, muito pelo contrário”, afirmou o diretor do Serviço Nacional de Migração, Luis Eduardo Thayer.

Segundo Thayer, o que está acontecendo ali não é diferente do que aconteceu historicamente, e ele afirmou que entre seis e sete mil pessoas atravessam diariamente o complexo fronteiriço em direção ao Peru.

A atenção da mídia sobre a questão da fronteira norte ocorre em um contexto de campanha para as eleições presidenciais de 14 de dezembro.

Nos últimos dias, o candidato do Partido Republicano, de extrema-direita, José Antonio Kast, disse aos 350 mil imigrantes indocumentados que eles têm 104 dias para deixar o país e, caso contrário, terão que partir apenas com a roupa do corpo.

Ex-ministros das Relações Exteriores do Chile expressaram sua profunda preocupação com as ameaças de Kast de expulsar e prender migrantes em massa e alertaram que a política migratória deve ser pautada pelo Estado de Direito e pelas obrigações internacionais assumidas pelo país.

“É inaceitável que, para fins eleitorais, as relações bilaterais sejam desnecessariamente tensionadas ou que sejam feitas propostas que ignorem as limitações práticas e legais de potenciais processos de expulsão em massa, bem como seus custos humanos e financeiros”, declararam.

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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Brasil reforça atuação regional em proteção a migrantes e combate a crimes transnacionais

 Brasil reforça atuação regional em proteção a migrantes e combate a crimes transnacionais

A coordenadora-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Imigrantes, Marina Bernardes, representou o Brasil e destacou a importância da ação conjunta na proteção de pessoas migrantes e no combate às redes criminosas que atuam na região. Foto: Divulgação/RIAM

 O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) participou, nos dias 27 e 28 de novembro, do XV Congresso Iberoamericano de Autoridades Migratórias, que reuniu representantes dos 21 Estados membros da Rede Iberoamericana de Autoridades Migratórias (RIAM).

Organizado pelo Chile, que exerce a presidência pro tempore da RIAM, o congresso é um dos principais espaços de articulação regional para fortalecer políticas migratórias com foco em direitos humanos. O encontro busca ampliar alianças, trocar informações e definir estratégias conjuntas para proteger pessoas migrantes e combater crimes transnacionais.

Neste ano, os debates se concentraram em dois eixos prioritários: integração de pessoas migrantes; e enfrentamento ao tráfico de pessoas e contrabando de imigrantes.

Compromisso com integração e combate a crimes migratórios

A participação brasileira ocorreu no debate sobre o enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao contrabando de migrantes. O painel, moderado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), reuniu especialistas e autoridades para discutir tendências regionais e aprimorar a cooperação entre os países.

A coordenadora-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Imigrantes, da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), Marina Bernardes, representou o Brasil e destacou a importância da ação conjunta na proteção de pessoas migrantes e no combate às redes criminosas que atuam na região.

De acordo com ela, “compartilhar experiências e práticas bem-sucedidas, no âmbito da Rede Ibero-americana de Autoridades Migratórias, é essencial para aprimorar os sistemas de acolhida e de proteção, sobretudo para mulheres, crianças e grupos vulneráveis. A cooperação regional fortalece a capacidade dos países de garantir direitos e oferecer respostas mais eficazes às vítimas de tráfico e às pessoas migrantes, independentemente de sua nacionalidade”, afirmou.

Sobre a RIAM

Criada em 2012, durante o II Congresso Ibero-americano de Autoridades Migratórias, a rede atua para fortalecer a cooperação técnica e científica, promover capacitações, apoiar investigações transnacionais e consolidar práticas que assegurem uma gestão migratória baseada em direitos humanos.

Painéis e debates do congresso

Entre os temas apresentados durante os dois dias de atividades, destacaram-se:

• Trata de pessoas e tráfico ilícito de migrantes — análise de cenários e estratégias de prevenção e repressão;

• Retorno, readmissão e reintegração — apresentação de boas práticas de acompanhamento e reinserção;

• Documentos de viagem e segurança de fronteiras — identificação de documentos fraudulentos e exposição sobre o Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagens (Etias);

• Intercâmbio de informação e interoperabilidade regional — compartilhamento de experiências pelo programa EUROFRONT/FIIAP e pela Polícia de Investigações do Chile;

• Integração de migrantes e mobilidade laboral — apresentação de iniciativas que ampliam o acesso a direitos e oportunidades;

• Boas práticas locais — implementação de experiências pelo Serviço Nacional de Migrações do Chile.

O encontro foi encerrado com a leitura e assinatura da Declaração da XV RIAM, reafirmando o compromisso dos países com políticas migratórias coordenadas. Também foi anunciada a próxima presidência pro tempore, que será exercida pela República do Paraguai.

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A história de um brasileiro deportado após 21 anos nos EUA Jéssica Moura

Desde que Donald Trump voltou à Casa Branca, em janeiro de 2025, 2,1 mil brasileiros retornaram ao país como deportados   Foto: MICHAEL DANTAS/AFP/Getty Images
 

Jéssica Moura

Ricardo Alves foi preso por agentes americanos enquanto trabalhava em uma obra. Segundo ele, teve o pé machucado na abordagem e passou uma semana detido. Tudo que juntou em 21 anos nos Estados Unidos ficou para trás, e ele chegou ao Brasil apenas com o passaporte. Agora, tenta conseguir trabalho para recomeçar. 

De dentro do avião que partiu em 7 outubro de Massachusetts, nos Estados Unidos, em direção à Confins (MG), Ricardo Alves, 48 anos, só pensava na vida que deixava para trás. "Pensava na minha pick-up estacionada em frente ao meu apartamento, todo mobiliado. As minhas mercadorias que revendia para pagar as contas." O patrimônio, construído ao longo de duas décadas, está agora inacessível.

Alves era um dos 84 passageiros do voo que transportava brasileiros deportados de volta ao país, na 25ª operação de repatriação desde janeiro deste ano. Encarar o futuro que o aguardava pela janela da aeronave era um misto de incerteza e alívio.

"É recomeçar totalmente do zero, que ainda não sei como vai ser, uma página nova que ainda vou escrever", afirma. "Eu tenho que aqui vai ser muito mais difícil do que lá. Não vou ter a mesma remuneração, mas pelo menos vou ter apoio, estou na minha terra, ninguém vai me caçar como um rato ."

"Foi uma coisa sinistra"

Alves foi preso pelos agentes do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE, na sigla em inglês) oito dias antes da deportação. Ele diz que na ocasião estava trabalhando na reforma de uma casa em Milford, em Massachusetts.

"Foi por volta das 10h30 que chegaram uns dez carros com homens mascarados, que apontaram as armas para nós. Aí já sabia o que estava se passando. Corri para dentro da casa e fomos cercados, e atiraram com tasers. Gritavam 'vou te matar, deita no chão', foi uma coisa sinistra", recorda.

"Não tem mais lei 'anymore'", lamenta Alves. Depois disso, ele diz que foi algemado e que os agentes pisaram no tornozelo dele. Com o estrago, mesmo preso, foi levado ao hospital. "Meu pé parecia de elefante." Em seguida, foi detido na prisão de Plymouth, que tem uma seção para reter imigrantes presos pelo ICE.

Além disso, Alves teve os documentos confiscados, o que dificulta a adaptação de volta ao Brasil.

"Eles tiraram minha carteira de motorista, vou ter de começar tudo de novo, tirar uma habilitação brasileira. Sem isso, não tenho a oportunidade de dirigir aqui ou transferir o documento. Se tivesse condições, podia trabalhar de entregador ou motorista, alguma coisa."

Deportações em alta

Assim como Alves, 72,1% dos repatriados pretendem voltar a trabalhar no Brasil. Outros 19,57% querem estudar e trabalhar. De cada quatro deportados, três foram para a casa de parentes ou amigos ao desembarcarem. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, que, desde janeiro, quando as deportações em massa aumentaram, passou a acompanhar as chegadas.

Em janeiro, depois de brasileiros denunciarem terem sido algemados por forças norte-americanas em voos de deportados para o Brasil, o governo federal lançou a Operação "Aqui é Brasil", para conduzir os expatriados que chegavam ao país aos estados onde teriam apoio e para evitar os maus-tratos . O investimento nas ações é de R$ 15 milhões até o fim do ano.

A tendência de queda nas deportações de brasileiros dos EUA, observada desde 2021, se reverteu com a volta de Donald Trump à Casa Branca em janeiro deste ano.

"Eu não podia mais sair de casa para trabalhar , tinha que ficar em casa revendendo as peças de videogame que consertava pelo eBay", lembra Alves. "Teve muito preconceito com a volta do Trump. Em vez de os imigrantes serem chamados de indocumentados, passaram a ser ilegais."

No início da nova administração, Trump prometeu combater a imigração ilegal. Em anúncio oficial, a Casa Branca alegou que o fluxo representava uma ameaça à segurança nacional e econômica dos EUA. Com isso, foram deflagradas "operações de retirada" para identificação, detenção e remoção de imigrantes.

Até agora, 2,1 mil brasileiros retornaram ao país como deportados – alta de 16,6% em relação ao ano anterior.

Sonho de uma vida melhor

A busca por melhores condições de vida motivou Alves, natural de São Bernardo do Campo (SP), a abandonar o emprego de metalúrgico em uma fábrica em Diadema para se mudar para os EUA. Em 2004, aos 27 anos, ele foi seduzido pelo discurso de um primo que já morava no país e dizia ter prosperado.

O parente prometeu intermediar a viagem de Alves. Para isso, o metalúrgico teria de pagar 7 mil dólares. O dinheiro foi usado para pagar os coiotes (traficantes de pessoas) que levaram Alves até a fronteira com o México, no esquema conhecido como "cai-cai".

"Vendi tudo que eu tinha e dei para o meu primo", diz. "Foi praticamente uma loucura, colocar a vida na mão de quem não conhece, mas foi tudo pela remuneração.  Na metalúrgica, o pagamento não era suficiente para pagar a pensão para minha filha e tocar a vida."

Ao ser capturado pelas autoridades americanas, Alves deveria se apresentar a uma corte que julgaria se ele seria ou não deportado, mas ele nunca compareceu.

Depois que se instalou nos EUA, ouviu do primo que o custo da travessia tinha sido na verdade de 11 mil dólares, e que teria de quitar a dívida logo no início da jornada.

"Claro que eu não falava inglês, só arranhava algumas palavras, 'água', 'fome', coisas assim. Cheguei para trabalhar como burro de carga, como ajudante na construção em Nova Jersey, dormia no chão." 

Ele precisou juntar dinheiro por 11 meses para quitar o débito com o primo. "Depois fiquei sabendo que ele pagou 2 mil dólares para os coiotes e embolsou o resto. Não juntei nada nesse tempo."

Salto de carreira

Alves diz que depois de quitar a dívida conseguiu prosperar em um emprego de carpinteiro. "Eu prosperei no sentido de que levava uma vida digna, andava limpinho, tinha uma vida social, trabalhava o suficiente para pagar aluguel, seguro de carro, gasolina para dirigir, comer."

Com a convivência com outros imigrantes, Alves não só ascendeu na carreira e conseguiu vagas melhor remuneradas, como constituiu um círculo social e aprendeu inglês e espanhol.

"Fiz amigos, não só brasileiros, mas americanos e de toda a América Latina. Socializávamos fora do trabalho. São essas coisas que prendem a gente lá, faz com que a gente se sinta um pouco em casa", relata. "Eu queria uma situação monetária melhor, e isso eu consegui. Trabalhava para pagar minhas contas e mandar uma ajuda para o Brasil."

Futuro no Brasil

Agora, sem emprego, conta com a ajuda de parentes. Ao desembarcar, foi para a casa da mãe em Ipatinga (MG), mas pensa em se mudar para a casa do irmão em São Paulo. As condições parecem aquelas de quando deixou o Brasil há 21 anos, quando vivia na casa dos pais.

"É como se fosse o primeiro dia de escola, que a gente chega sem saber nada. Penso em evitar todo mundo, me esconder, porque não tenho resposta para a pergunta de 'como vai ser'. O negócio é arrumar um trabalho o mais rápido possível, não vou aceitar um centavo de ninguém", diz.

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sábado, 29 de novembro de 2025

A crise migratória aumenta a tensão na fronteira entre o Chile e o Peru.

 

  

Dezenas de migrantes, em sua maioria venezuelanos, aguardam para cruzar a fronteira para o Peru no posto fronteiriço de Arica.

Dezenas de migrantes que desejavam deixar o Chile ficaram retidos na fronteira com o Peru , que restringiu a entrada enquanto tentavam atravessá-la, devido à ameaça do candidato conservador chileno José Antonio Kast de expulsá-los à força posteriormente.

Um vídeo divulgado pelo governador da região fronteiriça de Arica, a 2200 km ao norte de Santiago, mostra dezenas de pessoas tentando sair do Chile pela fronteira entre Chacalluta e Santa Rosa.

“Eles não querem nos deixar entrar no Peru; temos medo de que nos retirem à força”, disse um migrante venezuelano, que preferiu permanecer anônimo, ao portal de notícias online The Clinic. Enquanto isso, a rádio peruana Radio Tacna transmitiu imagens de migrantes carregando crianças na rodovia perto da fronteira.

“Houve uma concentração de migrantes que desejam deixar o país e têm encontrado dificuldades para entrar no Peru”, disse o ministro da Segurança do Chile, Luis Cordero, à imprensa, sem especificar um número.

O conservador Kast, favorito para vencer o segundo turno das eleições no Chile em 14 de dezembro contra a esquerdista Jeannette Jara, promete expulsar os cerca de 330 mil imigrantes indocumentados, em sua maioria venezuelanos, que ele associa à onda de insegurança.

“Aos imigrantes indocumentados no Chile, digo que vocês têm 103 dias para deixar o nosso país voluntariamente. Se não saírem voluntariamente, terão que sair depois que eu assumir a presidência”, disse Kast em um vídeo publicado nesta sexta-feira em suas redes sociais.

Peru reforça suas fronteiras

Do lado peruano, o presidente interino José Jerí afirmou nesta sexta-feira, no canal X, que convocou uma reunião extraordinária de ministros para declarar "estado de emergência e, assim, redobrar os esforços com as Forças Armadas na vigilância" na fronteira com o Chile.

Um soldado chileno se aproxima de migrantes que aguardam para cruzar a fronteira para o Peru, perto do posto fronteiriço de Arica.
Um soldado chileno se aproxima de migrantes que aguardam para cruzar a fronteira para o Peru, perto do posto fronteiriço de Arica.Ibar Silva - AP

“Nossas fronteiras são respeitadas”, disse o presidente, que viajou no domingo para a região fronteiriça de Tacna, onde falou pela primeira vez sobre os planos de emergência.

Jerí anunciou sua intenção de militarizar as fronteiras do sul do Peru para conter a violência que assola o país, a qual ele atribuiu em grande parte à falta de vigilância nos postos de fronteira. Ele também afirmou que tanto a polícia quanto os agentes de imigração intensificariam as verificações de identidade.

Embora o destacamento militar ainda não tenha entrado em vigor, as autoridades peruanas já reforçaram o controle em alguns locais , inclusive na fronteira com o Chile, onde as tensões aumentaram nesta sexta-feira e levaram o governo chileno a intensificar as negociações diplomáticas para evitar uma nova crise humanitária na região.

O general Arturo Valverde, chefe de polícia da região de Tacna, afirmou que a vigilância na fronteira foi reforçada em antecipação à declaração de estado de emergência.

“Este é um problema que surge com a chegada de muitos estrangeiros sem documentos que tentam entrar em nosso país”, disse Valverde à emissora Canal N. “Imigrantes sem documentos, ou seja, aqueles sem passaporte e visto, não podem entrar”, afirmou.

Quase 7,9 milhões de venezuelanos vivem fora do país, o segundo maior deslocamento do mundo, segundo dados divulgados no início deste ano pela Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aproximadamente 700 mil vivem no Chile e cerca de 1,5 milhão no Peru. A Colômbia é o país da região que mais acolheu venezuelanos, com 2,8 milhões.

Em abril de 2023, o Peru declarou estado de emergência por dois meses e militarizou suas fronteiras para reforçar o controle em resposta à chegada de migrantes do Chile. As Forças Armadas apoiaram então a polícia nos esforços de controle das fronteiras internas.

Agências de notícias AFP, AP e Reuters

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