sábado, 18 de outubro de 2025

Leitura Solidária chega à 6ª edição e reverte bilheteria para a Agência da ONU para Refugiados

© ACNUR/Vinicius Mochizuki
 

No marco dos 75 anos do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, artistas renomados participam da Leitura Solidária, evento beneficente que acontece no dia 15 de novembro de 2025, no Teatro B32, em São Paulo.

O projeto irá contar com com a participação da atriz Letícia Spiller, Apoiadora de Alto Perfil do ACNUR, além de nomes como Beto Alencar, Ciça de Carvalho, Christiane Fogaça, Eduardo Mossri, Ivan Vellame, João Baldasserini, Leopoldo Pacheco, Letícia Spiller, Rafael Alvin, Renato Silvestre e Sandra Annenberg.

Nesta edição, com produção da Pipoca Cultural, o público poderá assistir à peça “Testamento Rosa”, da dramaturga Cristina Ohana, que mergulha nas raízes das línguas e dos territórios, revelando como cada idioma carrega a memória e a sensibilidade de um povo. A direção é assinada pelo ator e diretor Elias Andreato, e a noite contará ainda com pocket show especial da cantora Barbara Ohana.


Idealizado pela atriz e produtora Christiane Fogaça em parceria com a produtora cultural Maristela Bueno, o projeto reverte toda a bilheteria em prol de diversas organizações sem fins lucrativos. Desta vez, a instituição escolhida é o ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, organização com presença global, que garante ajuda humanitária e direitos a milhões de pessoas forçadas a sair de suas casas por guerras e perseguições.

A Leitura Solidária é uma iniciativa sem fins lucrativos e totalmente voluntária, reunindo artistas renomados que doam tempo, talento e visibilidade em prol de causas humanitárias. “A essência do projeto está em transformar a arte em um gesto de cuidado e solidariedade. Cada artista que participa amplia o alcance dessa rede de afeto e impacto social”, afirma Christiane Fogaça.

“Para o ACNUR, é uma honra ser beneficiado por uma iniciativa que une cultura e solidariedade. O apoio de projetos como a Leitura Solidária fortalece nossa missão de proteger e dar esperança a milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas”, destaca Samantha Federici, chefe do escritório de Parcerias com o Setor Privado do ACNUR no Brasil.

Os ingressos estão disponíveis pela plataforma Sympla e podem ser adquiridos aqui. Doadores mensais do ACNUR têm direito a 50% de desconto no valor do ingresso entrando em contato pelo número 0800 729 2363 ou e-mail: ONU_refugiados@unhcr.org.


SERVIÇO

Leitura Solidária – 6ª edição – Especial 75 anos do ACNUR
Espetáculo: Testamento Rosa, de Cristina Ohana
Direção: Elias Andreato
Data: 15 de novembro de 2025
Hora: 20h – abertura do teatro às 19h
Local: Teatro B32 – São Paulo - R. Lício Nogueira, 92 - Itaim Bibi, São Paulo - SP, 04543-060
Ingressos: 
Idealização: Christiane Fogaça
Realização: Pipoca Cultural
Renda revertida ao ACNUR – Agência da ONU para Refugiados


https://www.acnur.org/br

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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Trabalho, cuidado e violências: Ceensp aborda mulheres migrantes no Brasil e brasileiras no exterior

 

No dia 22 de outubro, às 14h, será realizada a próxima edição do Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos (Ceensp), que abordará o tema “Mulheres migrantes no Brasil e brasileiras no exterior: trabalho, cuidado e violências”. A atividade será transmitida pelo canal da ENSP no Youtube e contará com tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Coordenada pela pesquisadora do Claves/ENSP Cristiane Batista Andrade, a conversa será mediada por Camila Athayde, ENSP/Fiocruz, e terá como palestrantes: Margarita Campos, Sabores do Mundo e Claves/ENSP; Claudia Araújo de Lima, UFMS e Ministério da Saúde; Mariana Holanda, Universidade do Porto; e Mairê Carli, Femigrantes BR Podcast.

+ Assista ao vivo

A proposta deste encontro é discutir as migrações de mulheres no Brasil, nas regiões de fronteiras e de brasileiras no exterior, compreendendo as complexidades dos fluxos migratórios e os desafios enfrentados por elas. As mulheres em deslocamentos enfrentam múltiplas formas de violência, tendo seus corpos atravessados pelas opressões do racismo, do patriarcado, do sexismo e das desigualdades socioeconômicas, existindo, portanto, a possibilidade de vivenciarem situações de tráfico de pessoas com fins de exploração sexual e trabalho escravo contemporâneo, o que as expõe continuamente a riscos graves à saúde e à própria vida. Neste contexto, lidam com os desafios impostos pelo trabalho reprodutivo do cuidado familiar, das complexidades da maternidade transnacional e dos arranjos familiares que emergem no contexto migratório. Para tanto, essas mulheres recorrem aos serviços públicos de Saúde, Educação e Assistência Social, bem como aos movimentos sociais de migrantes e às Organizações da Sociedade Civil em busca de atividades que lhes permitam cuidar de si e de suas famílias.


O Ceensp apresentará os resultados parciais da pesquisa “Mulheres migrantes nas fronteiras brasileiras: interfaces entre trabalho, cuidado e violências”, coordenada por Cristiane Batista Andrade (Claves/ENSP/Fiocruz), que está sendo realizada em oito cidades (cinco capitais e três cidades de fronteiras brasileiras), com financiamento do CNPq e do Ministério da Saúde.

https://informe.ensp.fiocruz.br/

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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

São Paulo migrante: discursos, imaginários e reconfiguração da cultura urbana

A pesquisa identificou discursos circulantes que constroem as percepções sobre as migrações contemporâneas em São Paulo – Foto: Flickr/Virada Sustentável

Um novo movimento migratório em direção a São Paulo, iniciado nas décadas mais recentes, tem alterado intensamente a cultura urbana. Representam esse fluxo pessoas vindas, principalmente, do Sul Global, de países como Haiti, Bolívia, Venezuela, Cabo Verde, Congo, Peru e Moçambique. As migrações contemporâneas foram o foco da tese São Paulo, cidade da “diversidade” e do “acolhimento”? Representações das migrações contemporâneas, polifonias urbanas e fábrica dos imaginários territoriais, da pesquisadora Laure Guillot.

O estudo identificou discursos circulantes que constroem as percepções sobre as migrações contemporâneas em São Paulo, transformações na cultura paulistana e como se manifestam as discriminações racistas e xenofóbicas, a partir de entrevistas e análise de produtos audiovisuais institucionais e da grande mídia.

A pesquisa foi desenvolvida em cotutela entre a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e a Universidade Lumière Lyon 2, na França, por meio do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Informação (PPGCI) e da Équipe de Recherche de Lyon en Sciences de l’information et de la Communication (Elico). No Brasil, a orientação foi da professora Lucia Maciel Barbosa, do Departamento de Informação e Cultura da ECA, e, na França, da professora Marie Després-Lonnet.

Mulher branca com cabelos castanhos à altura dos ombros e vestindo uma blusa preta
Laure Guillot - Foto: Lattes

A tese foi premiada pela Association Internationale pour la Recherche Interculturelle (Aric), que destacou o trabalho de Laure pela metodologia desenvolvida, que não se limitou à análise de fenômenos, mas, também, construiu diálogos com diferentes culturas. A premiação incluiu um convite para participar do congresso da Aric, realizado em julho na Université Cheikh Anta Diop de Dakar, no Senegal.

Uma pesquisadora estrangeira estudando São Paulo

Laure é francesa e seus contatos iniciais com a cultura brasileira se deram através de sua mãe, professora de Língua Portuguesa. Foi como ela conheceu músicas de artistas brasileiros e, quando jovem, visitou países falantes de português, inclusive o Brasil. A pesquisadora morou em diferentes momentos no País para realizar intercâmbios estudantis, passando por Aracaju, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.

Quando fez intercâmbio de mestrado no Rio, onde morou na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, ela se surpreendeu ao perceber outras pessoas estrangeiras residentes na cidade, principalmente de Angola e da China. Isso despertou nela a lembrança de imaginários midiáticos estereotipados sobre as migrações para os Estados Unidos e a Europa:

“A gente sempre tem os discursos sobre a Europa, a América do Norte. […] Que as pessoas vão até lá, atravessam o mar, atravessam a fronteira com o México e os Estados Unidos. A gente nunca tem os discursos sobre as pessoas que vão de um país do Sul para outro país do Sul.”
Laure Guillot, pesquisadora

Passada a experiência no Rio e com questões sobre a migração no Sul Global em mente, Laure voltou mais uma vez como intercambista ao Brasil no ano de 2019, vinculada à Université Lumière Lyon 2. Foi quando tomou conhecimento das pesquisas da professora Lucia Maciel, que se dedica ao estudo de culturas migratórias do mundo. Assim, teve início o projeto para o doutorado em cotutela entre as duas universidades.

Laure afirma que, antes de conhecer o Brasil, carregava consigo alguns estereótipos sobre o País formados pela cobertura da mídia francesa, que destacava o futebol e a violência associada ao tráfico de drogas. A partir de seus intercâmbios, ela pôde refletir sobre essas visões que carregava. Sobre São Paulo, onde morou no Centro, perto do Minhocão, ela percebeu uma cultura marcada por um estilo de vida urbano, mas que convive com quebras, como o bairro de Perus, com bastante vegetação preservada, assim como o Jaraguá, que possui uma grande população indígena. “Tem vários mundos em São Paulo, então, de bairro a bairro, você tem vivências diferentes. Foram muitas descobertas”, conta.

Ainda que a pesquisadora tenha se visto como uma pessoa migrante que viveu no Brasil, ela percebeu que suas questões eram diferentes das de estrangeiros negros ou andinos no país. “É importante pensar no meu posicionamento como pesquisadora. Uma pessoa branca, europeia, fazendo uma pesquisa sobre populações migrantes de São Paulo. Eu não tenho as mesmas preocupações das pessoas com quem fiz entrevistas, as mesmas experiências”, reconhece.

América Invertida, de Joaquín Torres García, artista e professor uruguaio. Imagem: reprodução/ Wikimedia Commons.

Imersões no território físico e midiático: a pesquisa na pandemia, sob um governo de extrema direita

A pesquisadora analisou produtos audiovisuais de entidades que trabalham com a questão da migração, como o coletivo Visto Permanente, materiais de serviços da Prefeitura de São Paulo e episódios da telenovela Órfãos da Terra, exibida na Rede Globo em 2019. Laure também fez visitas ao Museu da Imigração do Estado de São Paulo pouco antes da pandemia e entrevistou pessoas que migraram de países como Bolívia, Argentina, Colômbia, Guiné-Bissau, Haiti e Cabo Verde, além de trabalhadores do Museu da Imigração, da prefeitura e de coletivos que acolhem demandas de pessoas migrantes.

Durante a análise dos capítulos da novela e de vídeos institucionais do Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) da Prefeitura de São Paulo, a pesquisadora notou a recorrência das palavras “acolhimento” e “diversidade”. Ela menciona que “os discursos institucionais da prefeitura, por exemplo, falam que São Paulo é uma cidade da diversidade desde o início, formada pela migração”. Além de influenciar a cultura brasileira, a telenovela, segundo a pesquisadora, leva à criação de imaginários sobre o Brasil em outros países.

“As pessoas que moram nos países da África, por exemplo, têm acesso à telenovela brasileira. Há um imaginário de diversidade, de um povo mestiço e, quando elas chegam ao Brasil, várias delas ficam surpresas, porque atrás dessa famosa democracia racial, elas percebem que existem o racismo, xenofobia e estereótipos”, afirma a pesquisadora Laure Guillot.

No Museu da Imigração, o funcionário Thiago Haruo Santos, da equipe de pesquisa, comenta o choque de pessoas migrantes com a cultura brasileira comparada com as telenovelas: “Tem muitos que falam: ‘Ah, quando eu cheguei aqui, eu conhecia o Brasil pelas novelas da Globo, porque passava novela lá onde eu moro, e quando cheguei aqui não era nada disso. Era muito diferente.’ Isso aparece muito”.

Nos vídeos institucionais do CMI, as migrações contemporâneas possuem uma imagem que remete à vida urbana de São Paulo, com prédios no fundo. “Eu percebi que eles mostram mais o centro da cidade, que é um lugar no imaginário muito ligado à migração contemporânea”, Laure afirma. Em contraponto, nos vídeos do coletivo Visto Permanente, os imigrantes foram acompanhados nos bairros onde moram e as pessoas filmadas escolheram como queriam ser retratadas. “Isso, para mim, foi uma coisa bem interessante. Como mostrar o corpo migrante na cidade? Onde você vai mostrar?”, questiona a pesquisadora.

Dois homens negros, com trajes coloridos participam de evento ao ar livre. Um deles, à direita, segura um microfone

Estudo traz relatos de pessoas que se percebem alvos de olhares fixos em certos ambientes – Foto: Flickr/Eduardo Augusto

Experiência da população migrante em São Paulo

A experiência de pessoas migrantes residentes em São Paulo é marcada por um sentimento de ambivalência, segundo as entrevistas. Ao mesmo tempo que as pessoas se mostram gratas pelo acolhimento em diversos ambientes, sofrem por perceberem discriminações xenofóbicas e racistas. Há relatos de pessoas que se percebem alvo de olhares fixos em certos ambientes, o que consideram estranho em um país com uma população negra tão grande.

Entre as entrevistas, há relatos de abordagens policiais constrangedoras ou violentas, como conta um dos entrevistados, Pierre Ainda, vindo de Chade, país da África Central. Pierre sofreu uma abordagem policial, à luz do dia, quando estava em seu primeiro ano como intercambista da Pontifícia Universidade Católica (PUC), no curso de Teologia, saindo da faculdade acompanhado de um amigo compatriota e de outros colegas. Ele e o amigo ficaram de costas com as mãos na parede e suas mochilas foram totalmente reviradas:

“Do nada, quatro viaturas da polícia. A gente andava com muita gente e a polícia parou só nós dois. E parou de um jeito bem violento, pegaram a mochila, tiraram os cadernos que a gente tinha dentro. Revistaram tudo. Eu fiquei totalmente apavorado, porque era a primeira vez que eu estava sendo abordado assim. Depois viram que a gente não era o que pensavam”.

Pierre Ainda, da República de Chade

Enquanto morou em São Paulo, Laure também fez visitas ao Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) de Perus. Nessa região, residem muitas pessoas vindas do Haiti, o que fez com que dirigentes do Cieja criassem um currículo intercultural com atividades sobre a cultura migrante.

A professora de Língua Portuguesa, Cristiane Maria Coutinho, que trabalha no Cieja, comenta que “alemães, holandeses, suíços, italianos são muito bem aceitos, bem recebidos [no País]. Os brasileiros têm uma curiosidade de saber da língua, como vieram, como vivem. Isso não acontece com os haitianos.” Cristiane relata que, em festas para a comunidade organizadas pelo Cieja, pessoas brasileiras demonstraram surpresa ao notarem que os haitianos falavam francês. “Havia, também, uma crença dos brasileiros de que o Haiti ficava na África. E a África já é estigmatizada”, diz a professora.

Laure reflete sobre “como as pessoas que chegam agora têm, muitas vezes, as mesmas problemáticas que as pessoas afro-brasileiras” e sofrem com as consequências do racismo estrutural, como formação de novos guetos na cidade e a violência contra a população negra.

A exemplo disso, ela menciona o assassinato do jovem imigrante do Congo, Moïse Kabagambe, em seu local de trabalho, ocorrido no Rio de Janeiro. Laure conta que estava em São Paulo quando aconteceram protestos pela morte do jovem congolês, reunindo imigrantes e pessoas negras brasileiras.

A busca por culturas, saberes e discursos não europeus

Enquanto esteve no Brasil fazendo o doutorado, a pesquisadora Laure Guillot diz ter achado curioso como os estudos brasileiros são influenciados pela produção de conhecimento francesa, com recorrência de nomes como Pierre Bordieu e Michel Foucault. “Eu tinha muita vontade de me afastar dessas teorias europeias, ter uma visão decolonial, de me afastar do eurocentrismo. Usar textos da América Latina no Brasil, textos de autores africanos para países da África. É outra visão, outras perspectivas, outros métodos”, explica.

Um dos conceitos-chave do seu trabalho é o de hibridação, utilizado em estudos culturais e emprestado do antropólogo argentino Néstor García Canclini. O conceito se refere a culturas diferentes entre si que, ao interagirem, criam novas práticas e significados. Uma das intenções da autora foi colaborar com o enriquecimento do conceito e, segundo ela, São Paulo é favorável para isso por ter uma população muito diversa.

Um exemplo de processo de hibridação apontado por Laure está na gastronomia, que promove transformações culturais no território e sentimentos de identificação. “Essa parte, da alimentação, é muito importante na questão da imigração. Muitas pessoas com quem eu fiz entrevistas, que migraram para o Brasil, montaram negócios de comida, que não era o emprego delas no país de origem”, ressalta a pesquisadora.

A tese de doutorado de Laure pode ser acessada na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.

*Texto: Everton da Cruz Souza, do LAC – Laboratório Agência de Comunicação da ECA. Versão original publicada no site da ECA

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

https://jornal.usp.br/

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