segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Portugal : “Lei da imigração é uma manta de retalhos”

Em entrevista ao esquerda .net, o presidente da Associação Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo, condena as políticas europeias relacionadas com as migrações e critica a burocracia existente em Portugal que impede milhares de imigrantes de obter o título de residência. Por Pedro Ferreira.

O presidente da Associação Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo.
O presidente da Associação Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo.
Qual o papel da associação na defesa dos direitos dos imigrantes?
A nossa associação desenvolve há 16 anos um trabalho intenso na defesa dos direitos dos imigrantes que frequentemente são postos em causa pelas decisões governamentais. Nesse sentido, no próximo dia 27 de outubro iremos estar na Assembleia da República quando se discutir o projeto de lei(link is external)do Bloco de Esquerda sobre a lei de imigração e no dia 13 de Novembro vamos organizar uma grande manifestação em Lisboa.
Como é que caracteriza as políticas atuais de imigração em Portugal?
A experiência tem-nos demonstrado que há ciclos de retrocesso no que diz respeito às políticas relacionadas com a imigração. E isso está novamente a acontecer.
Pode concretizar?
Com entrada em funções deste governo houve de novo um recuo que resulta da implementação de políticas que emanam da União Europeia (UE) e o que o atual executivo devia contestar. Mas infelizmente cedeu à lógica securitária que estigmatiza todos aqueles que procuram reorganizar as suas vidas noutros países criando toda a espécie de obstáculos à sua integração.
E que obstáculos são esses?
Desde logo abre o campo para que a desconfiança se abata sobre todos os imigrantes que aqui trabalham e vivem.
Está a dizer que cria propositadamente uma imagem negativa daqueles que chegam a Portugal para refazer a vida?
O puzzle burocrático em que os imigrantes são enleados é antecedido de insinuações mais ou menos veladas que ligam os imigrantes à insegurança, ao terrorismo. Lá fora já abriu o caminho o a políticas securitárias expressas na construção de muros a que eu chamaria da vergonha e de uma quantidade tal de exigências que visam impossibilitar a sua permanência das pessoas nos países que escolheram para viver.
Mas esse discurso não existe oficialmente em Portugal.
Mas é usado em muitos países da Europa e acaba por influenciar uma parte da opinião pública servindo também para apertar o cerco e trocar as voltas às pretensões dos imigrantes que querem trabalhar de forma honesta e contribuir para a riqueza dos países.
Está a referir-se concretamente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)?
O SEF é apenas um instrumento dessas políticas e por isso o grau de exigências que têm para com os imigrantes para lhes conceder a autorização de residência é de tal forma complexo que os processos acabam por ganhar um cunho kafkiano e muitos ficam sem uma solução favorável.
Estamos perante uma burocracia ao serviço de uma estratégia cada vez mais restritiva na entrada de imigrantes em Portugal?
Se eu lhe disser que há pessoas que estão há uma ano e meio ou mais à espera do seu título de residência sem terem sequer uma resposta que justifique essa demora, penso que respondo à sua interrogação.
Mas a associação tem questionado as autoridades competentes exigindo-lhes repostas para resolver a situação. O que é que vos dizem?
A regra é o silêncio mas também que há problemas de natureza logística como por exemplo a falta de funcionários. Mas nada disto justifica esta situação que é muito dolorosa para os imigrantes que cumprem todos os requisitos que lhe são pedidos seja ao nível do preenchimento de papéis seja no pagamento que tem um custo de 800 euros. É preciso não esquecer que estamos a falar de pessoas com escassos recursos financeiros.
E tudo isso é propositado?
Lamento ter de o dizer mas não tenho dúvidas que estamos a lutar contra as determinações europeias anti imigração que se generalizaram de uma forma muito aguda nos últimos anos.
Os discursos de natureza populista contra os imigrantes dão votos e em muitos casos têm permitido a chegada ao poder da extrema-direita. Como é que antevê o futuro da Europa?
A crise dos refugiados veio por a nu a hipocrisia das políticas europeias em relação às migrações. O desrespeito pelos Direitos Humanos é hoje uma evidência quando se abandonam pessoas em campo de refugiados ou se perseguem migrantes acusando-os infundadamente de serem responsáveis por criar problemas nos países onde residem. Esta situação é intolerável e a prazo pode tornar-se explosiva se não houver uma solução que respeite a dignidade das pessoas. Desta forma o futuro não augura nada de bom e a UE começa a estar posta em causa.
Não acha que muitos governos tentam responder aos temores das opiniões públicas que se mostram pouco recetivas em relação aos imigrantes porque elas próprias estão receosas em relação ao seu futuro?
Não quero confundir a Europa com os cidadãos embora saiba que muitos deles estão intoxicados por esse tipo de discursos. Mas é minha convicção que a maioria das pessoas não está contra os imigrantes e até sabe que eles são essenciais para a que o continente se possa erguer de novo e retomar o caminho da prosperidade.

A campanha a favor da saída o Reino Unido da UE teve na sua base um discurso que responsabiliza a imigração pelos males que afetam o país.
A xenofobia e o racismo estiveram de facto presentes durante a campanha do Brexit tal como tiveram alguma responsabilidade na ascensão de Donald Trump na política norte-americana. Por isso é urgente arrepiar caminho e encontrar decisores políticos que informem a opinião pública e a mobilizem porque os problemas surgirão se se mantiver este espartilho vergonhoso e desumano.
Portugal podia ser um exemplo?
Nesta matéria pode ser um referencial mas pelos vistos prefere obedecer aos ditames dos poderosos da Europa. A sua História abre-lhe horizontes para o estabelecimento de pontes com muitas regiões do mundo onde sempre houve portugueses.
Mesmo tendo em conta que essas relações foram durante muitos séculos de dominação?
É um facto que não pode ser negado tanto mais que a História não se deve reescrever. Mas ultrapassada essa fase, o país podia desempenhar um papel essencial para mudar este estado de coisas porque no mundo as pessoas têm de ser livres para se poderem movimentar na direção que entenderem.
O que acaba de dizer não é uma utopia?
Utopia é pensar que a estabilidade pode sobreviver à violência de limitar a liberdade das pessoas.
Disse-me há pouco que a sua associação não vai baixar os braços em relação ao que se passa em Portugal. Que medidas vão tomar?
A lei de imigração é uma manta de retalhos e por isso tem de ser alterada. As mudanças feitas anualmente ou de dois em dois anos acabam por complicar ainda mais a situação dos imigrantes se tivermos em conta que alguns já tinham a sua situação regularizada e após essas alterações ficaram de novo sem a documentação necessária para continuar a residir no país. Não se pode brincar com a vida das pessoas. Por isso e como já disse iremos de novo para a rua onde exigiremos a implementação de novas políticas.
As manifestações que já realizaram em frente às instalações do SEF em Lisboa tiveram algum resultado?
Fizemo-las para  reclamar uma solução para os cerca de 3 mil imigrantes que estão à espera do título de residência há mais de um ano e já entraram em desespero.
E quem são eles?
É gente que trabalha, que paga os seus impostos e quer ser respeitada.
 Já têm alguma resposta?
Ao fim de dois dias fomos recebidos pela direção nacional do SEF que assumiu o compromisso de resolver a situação destes imigrantes até ao final de 2016.
Estão confiantes?
Não podemos baixar os braços perante os imigrantes que nos procuram para que os ajudemos a encontrar soluções. Somos uma organização proativa, de cidadania que trabalha com as pessoas envolvendo-as na busca dos melhores caminhos tendentes à ultrapassagem das barreiras que lhes são colocadas.
 Ezquerda .net
www.miguelimigrante.blogspot.com

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