sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Imigrantes deixam Santa Catarina para fugir da crise econômica

A promessa do eldorado brasileiro, que atraiu milhares de haitianos,ganeses e senegaleses para Santa Catarina nos últimos anos, foi ceifada pela alta do dólar e pelo desemprego. Sem perspectivas de melhorar as condições de vida a curto prazo e sem dinheiro para enviar à família que ficou no país de origem, muitos imigrantes decidiram seguir viagem nos últimos meses. Não há estatísticas oficiais – a Polícia Federal (PF) não fornece o controle de saídas por nacionalidade –, mas os embarques de imigrantes no Estado, de ônibus ou avião, são diários. O principal destino é o Chile ou os Estados Unidos.
A saída é feita em grandes grupos. Hoje, 100 haitianos que viviam em Balneário Camboriú embarcam no Aeroporto de Navegantes, rumo a São Paulo. Na próxima terça, outro grupo também partirá. Da capital paulista, irão até o Acre, onde se dividem. Há os que voltam para casa, os que tentam a sorte em países da América Central e os que arriscam uma longa e perigosa viagem até os Estados Unidos, que pode levar até dois meses.
– Eles pouco falam sobre essa travessia, têm medo. Mas sabemos que chegam a usar os serviços de coiotes (pessoas que levam imigrantes ilegais para os Estados Unidos) e que passam dias caminhando pela floresta amazônica – diz o agente de viagens Geneci Moschen, de Itajaí.
Metade das passagens emitidas pela empresa dele neste ano foi para haitianos que estavam deixando o país pelo Acre. A partida dos imigrantes fica evidente no Bairro dos Municípios, em Balneário Camboriú, que chegou a ter quase 2 mil haitianos no auge da imigração, segundo a associação que reúne os estrangeiros na cidade. Hoje, não passam de 400.
Sem emprego, muitos se reúnem durante o dia em locais como o comércio de Osnel Jules, haitiano que mora em Balneário Camboriú há três anos. Num só espaço ele montou lan house, salão de cabeleireiro e loja de roupas. A oferta de produtos já foi maior, hoje são apenas algumas calças e camisas em um varal. Falta dinheiro para aumentar o estoque.
– Não tem mais haitiano para comprar – lamenta Jules.
Até o início do ano havia pelo menos cinco estabelecimentos tocados por haitianos no Bairro dos Municípios. Sobraram dois. Jules afirma que, se pudesse, iria para os Estados Unidos. Não vai porque tem uma filha nascida no Brasil.
Com português difícil, Jean Lys Timéus, cabeleireiro que trabalha no salão, atende quase que exclusivamente os conterrâneos do Haiti e cobra de R$ 10 a R$ 12 para cortar cabelos. Com o movimento reduzido, ele pensa que, se não conseguir meios de se manter, terá que ir embora.
SC tem o segundo maior fluxo migratório do país
Os dados oficiais do fluxo de entrada e saída dos imigrantes país são imprecisos. Em 2015, segundo a PF, 14 mil haitianos entraram no Brasil – três vezes mais do que em 2012. Desse total, 16% teriam vindo para Santa Catarina, o segundo maior fluxo migratório do país, atrás apenas de São Paulo. Até o ano passado, a PF tinha registro de 3,5 mil haitianos vivendo no Estado – mas o número real era muito maior, já que, embora tenham direito ao visto ao entrar no país, nem todos os imigrantes foram legalizados.
Em Joinville, a prefeitura estima que até 4 mil haitianos tenham vivido na cidade. Hoje há apenas 500 no Cadastro Único, que dá direito a benefícios como redução na tarifa de luz. E 90% deles estão sem emprego. 
Em todo o Estado, a situação se repete. Só em Criciúma, a Casa de Passagem, que acolhia os imigrantes e ajudava com a documentação, estima que o número de estrangeiros tenha chegado a 3 mil, a maioria vindos de Gana. Hoje, a comunidade reduziu 60%, cerca de 900. Grande parte dos ganeses, que integravam a maior comunidade estrangeira local, foi ilegalmente para os Estados Unidos e outros voltaram para a África.

Órgão regulariza passaportes
A decisão de imigrantes haitianos de deixar o país fez crescer a procura por renovações de passaporte no Escritório de Relações Internacionais (ERI) da Univali, em Balneário Camboriú. Neste ano, de 262 atendimentos, 150 foram para regularizar a documentação.
O ERI é um dos únicos órgãos no país a ter acordo de cooperação com a embaixada do Haiti, o que permite que faça a coleta de documentos e recebam o passaporte para entregar ao dono. O serviço é feito para imigrantes de todo o Estado.
Giselda Cherem, professora dos cursos de Direito e Relações Internacionais que coordena o departamento, diz que recentemente o escritório passou a receber, também, consultas de haitianos interessados em sair do Brasil.
– Já nos consultaram sobre México, França e Canadá. Nós buscamos informações sobre o visto para o haitiano nesses países e repassamos ao interessado – explica a advogada.
Nem sempre a resposta é positiva. Com exceção do Chile, que facilitou a entrada para os haitianos assim como o Brasil, os demais países consultados não aplicam a eles as mesmas condições.Entre os que escolhem permanecer no país, é grande a procura por reunião familiar – meios legais de trazer os filhos do Haiti, sem passar pelos riscos dos atravessadores.
Recentemente o ERI pediu auxílio ao Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em Santa Catarina (Eresc) para obter do governo haitiano informações sobre o encaminhamento dos processos. Uma das barreiras ao atendimento dos imigrantes no Brasil, porém, é a falta de dados concretos sobre o que fazem no país e do que precisam.
– Não há políticas públicas voltadas para os haitianos, apenas ações aleatórias nos municípios. Os imigrantes ficam vulneráveis e correm risco de marginalização – afirma Giselda.
Ontem, membros da Comissão de Direitos Humanos da OAB em Itajaí apresentaram a lideranças das comunidades haitiana e senegalesa um projeto de oficinas de direitos para os imigrantes, em especial direitos trabalhistas. Desde que dois haitianos sofreram um acidente de trabalho em Itajaí, no mês passado, que resultou na morte de um deles, o órgão passou a receber informações sobre abusos nas relações de trabalho, como o não pagamento de horas extras, falta de registro em carteira de trabalho e carga horária maior do que a permitida.
A Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação no Estado (Fapesc), em parceria com a Univali, está levantando o perfil sócio-econômico dos imigrantes em Santa Catarina. A ideia é que o documento auxilie na criação de políticas públicas voltadas para o grupo
DC
Dagmara Spautz
www.miguelimigrante.blogspot.com

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