quarta-feira, 27 de julho de 2016

É preciso cautela com relação entre terrorismo, imigração e Estado Islâmico, diz especialista

Especialista em política internacional , o pesquisador Dawisson Belém Lopes, critica o que vê como conexão forçada entre o Estado Islâmico e os ataques terroristas sofridos pelos países da Europa e Estados Unidos, nos últimos meses. Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, Dawisson também pede cautela na associação entre imigrantes e ataques e chama a atenção para a bola de neve entre exposição midiática e proliferação de ataques. O especialistas ainda descarta riscos de ataques para o Brasil para além do período olímpico.
A perda de território do Estado Islâmico pode ser encarada como o principal motivo do aumento de ataques?
A gente tem que ter cuidado com essa denominação Estado Islâmico, que acaba servindo de guarda-chuva para muita coisa. Há vários grupos que não têm relação orgânica com o Estado Islâmico e têm reivindicado relação. O ponto é que o Estado Islâmico talvez não tenha essa capacidade de agência e coordenação dos ataques, como vem sendo colocado. Ele é um rótulo meio frouxo. É difícil ver uma cabeça estratégica. O Estado Islâmico é "muita coisa", uma unidade meio frouxa – não se consegue explicar onde ele começa e onde termina. Não se sabe exatamente o que ele é e tem gente tentando capitalizar essa identidade. É um desafio para nós, analistas, entender o que está acontecendo. Um desafio metodológico.
Outro ponto levantado como causa dos ataques é o aumento imigração para a Europa. Ela de fato contribui para o problema?
Acho que há uma associação apressada entre terrorismo e imigração. Não a faria, também. Alguns dos casos recentes de ataque na Europa foram feitos por cidadão nacionais, por belgas, franceses. Embora a associação entre imigrante e perturbação social seja a associação feita, por exemplo, pelos defensores da separação do Reino Unido, é preciso cuidado para não se reforçar o discurso de xenofobia e o radicalismo de extrema direita contra os imigrantes. Discurso muito presente no caso da separação do Reino Unido da União Europeia e na ascensão do republicano Donald Trump, nos Estados Unidos, por exemplo.
Então, o que ajuda a explicar esse aumento de atentados no Ocidente?
Eu realmente acho que existe uma relação muito direta e cada vez mais notória entre a cobertura que a grande imprensa faz dessa barbárie e a exploração mediática que os grupos fazem desses eventos. Os grupos se fazem da repercussão dos atos e têm utilizando esses meios para conseguir uma propaganda cada vez maior. Eles descobriram essa estratégia nos anos 1990 e têm a utilizado de uma forma cada vez mais forte. E é preciso lembrar que continua havendo muitos atentados no Oriente Médio e na África que não são notificados ou são subnotificados.
Mas há um aumento de ataques na Europa.
Os Estados Unidos eram as grande vítimas da década passada, o 11 de setembro foi o grande marco da década passada. Mas a Europa passou a ser o centro do alvo. E a França, até pela relação com as suas ex-colonias, representa o bastião da ameaça à cultura islâmica.
A França se tornou o foco desses ataques à Europa. Essa questão colonial determina os ataques?
Há um certo rancor colonial que ajuda a entender o fato de a França ter se tornado o centro dos ataques. Mas há vários fatores envolvidos, como a centralidade simbólica do país, no coração da Europa, a sua relativa riqueza... A França virou um reduto de islamitas e a há um choque dessas concepções islâmicas com as concepções de vida da cultura ocidental, que naquele país é muito evidente. Esse choque passa por questões como a legislação sobre a proibição do uso do véu islâmico, por exemplo.
Diante da difusão de atores envolvidos, a estratégia de se combater o terrorismo com guerras é a mais adequada?
Não é. Mas ao mesmo tempo é necessário dar uma resposta à opinião pública. Me imagino na pele do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. É preciso dar alguma resposta para a opinião pública. E tem que responder, mostrar força ao inimigo. Mesmo que, no limite, o inimigo seja incerto, um inimigo volátil, que some, desaparece: tem gente reivindicando ataque em toda parte do mundo. É difícil, complicado. Essa tática de fazer guerras convencionais, eleger um inimigo, é muito complicada. É uma guerra não convencional e guerras não-convencionais levam a resultados não convencionais.
Alguns especialistas falam que, a longo prazo, a diminuição dos riscos só viria com o estímulo da Europa ao desenvolvimento econômico e social do norte da África e do Oriente Médio. Como o senhor avalia essa proposta?
Essa solução de que as regiões cresçam seria a ideal, mas é de difícil operacionalização. Enquanto houver tanto diferença e desigualdade será muito difícil. Seria preciso alguma distribuição melhor de recursos. A sensação de desigualdade tem alguma relação com o momento que vivemos. Diálogos intercivilizacionais são importantes e alguns países têm feito isso melhor que outros. A minha impressão é que a estratégia mais equivocada é a excludente, a da separação – o que o Reino Unido fez na Europa, o muro que do Trump propõe para dividir o México dos Estados Unidos. Tudo isso, no fundo, tem relação.
E há riscos de ataques ao Brasil?
Durante os Jogos Olímpicos é possível alguma coisa acontecer no Rio de Janeiro. Eu não desconsideraria. Voltando ao início da conversa, as Olimpíadas são o tipo de momento em que a comunhão da grande imprensa com o terrorismo pode acontecer. E o Brasil não está tão preparado para fazer contraterrorismo. Mas tirando essa ocasião, não vejo motivo para o Brasil estar em rota de ataques. É um país com certa tradição de congregar povos, com certa tolerância entre etnias e nações.
Hoje em Dia
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