segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Pesquisa revela perfil, os dramas e onde estão os estrangeiros que vivem no Brasil

Quando começa a falar sobre os últimos anos de sua vida, Mohammad Kheir Alnmere, de 35 anos, parece voltar a um passado não tão longe, mas muito triste. O homem olha sempre distante, talvez tentando imaginar o percurso entre a Síria e o Brasil, país onde ele entrou como refugiado, há um ano. Ele fugiu de sua terra natal em busca não apenas de uma vida melhor, mas, sobretudo, de segurança. Afinal, a guerra civil que devassa os sírios, fez uma vítima próxima a Mohammad: seu filho de nove anos, que estava com câncer e morreu por falta de atendimento médico em função do bombardeio ao hospital onde estava internado. Sua filha ficou ferida e sua casa destroçada.
O sírio hoje é um dos milhões de imigrantes, apátridas e refugiados (que são considerados imigrantes forçados) que entraram no país, desde os primeiros anos do descobrimento do Brasil. A história de Mohammad se junta a outros estrangeiros que decidiram sair de suas nações em busca de algo melhor para suas vidas. Ele escolheu viver na Europa, depois de passar por vários outros países do Oriente Médio, mas não foi aceito em nenhum deles. Foi roubado durante a viagem e gastou US$ 12 mil para chegar até Brasília, onde mora com a filha. Achou que o Brasil seria a ponte para outros continentes, mas acabou permanecendo por aqui, e hoje vive de bicos em um comércio.
Entretanto, sua vida não tem sido fácil. “Gosto das pessoas aqui do Brasil, mas é difícil trabalhar. Além disso, tem o problema da língua”, diz Mohammad, em árabe, traduzido por Musa Aheo Sahori, um filho de palestinos, que serve de interprete. Hoje o sírio vive no Distrito Federal com a filha. Já está abandonando a ideia de viajar pela Europa, mas reclama da burocracia para tirar seus documentos no país. “Deveria ser mais ágil”, diz.
A imigração para o Brasil começou há 485 anos, quando os primeiros colonizadores portugueses chegaram aqui para plantar cana de açúcar. Desde este período até agora, os fluxos diminuíram, mas nunca pararam. No século XIX foram os europeus e japoneses, que viam o país como uma Nação próspera. Depois surgiram as duas grandes guerras, nas décadas de 1910 e 1940. Mais recentemente, chegaram os haitianos – fugindo da miséria de seu país, devastado por um terremoto em 2010 – e os sírios, acossados pela guerra civil que nunca acaba.

“A história da sociedade brasileira forjada com o fluxo migratório para o país, apesar de termos tido episódios lamentáveis que foi o tráfico de escravos”, diz Beto Vasconcelos, presidente do Conare (Conselho Nacional de Refugiados) e secretário Nacional de Justiça. “Hoje nossa identidade é plural e, além disso, não temos preconceito, racismo ou xenofobia a estrangeiros. Os brasileiros são pessoas tolerantes”, acrescenta.
A pesquisa “Migrantes, apátridas e refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direito e políticas públicas no Brasil”, mostra um quadro do que precisa ser feito. Idealizado pela Secretaria de Assuntos Legislativos em parceria com a Secretaria Nacional de Justiça e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o estudo mostra que os imigrantes estão espalhados para quase todos os estados brasileiros. O trabalho, que faz parte do projeto Pensando o Direito, confirma que dois dos principais problemas para o imigrante é justamente o que Mohammad reclama: o idioma e a documentação.
 “A pesquisa, ao longo de dois anos, não foi apenas acadêmica, mas de campo e foi um instrumento para que pudéssemos desenvolver políticas públicas para o setor”, afirma Beto. Ele dá exemplos da emissão mais rápida de documentos, com a descentralização das ações neste sentido para estados e municípios. O secretário, que tem sob sua responsabilidade o Departamento de Estrangeiros, reconhece que ainda falta resolver o entrave do idioma. “O desafio importante é desenvolver capacitações de línguas, com aulas de português, o que vamos fazer firmando parcerias com os demais entes federativos”, explica.
Pelos dois problemas também passou Jihal Abdul Qader Issa, um jordaniano de 37 anos que chegou ao Brasil em 2013. Antes de chegar aqui ele tentou outros países e hoje espera sua regularização definitiva no país. O rapaz aguarda a tramitação de seus documentos, que estão na Polícia Federal atualmente. “O problema aqui é a língua e trabalho”, diz ele, que também se declara um entusiasta pelos brasileiros.
A professora de Direito da UniSantos (Universidade Católica de Santos) Liliana Lyra Jubilut, coordenadora da pesquisa, diz que o estudo derivou de duas grandes situações. A primeira foi o aumento significativo do fluxo migratório mundial e que está tendo reflexos no Brasil. Segundo ela, isso acontece principalmente pela melhoria das condições econômicas do país, além das novas oportunidades, como os grandes eventos realizados nos últimos dois anos, como a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo e as Olimpíadas em 2016. Liliana explicou que a outra situação foi a chegada dos haitianos, que hoje somam mais de 70 mil.
De onde vem e para onde vai
A pesquisa mostra um retrato de como estão e por onde circulam os imigrantes até entrar em solo brasileiro e para onde vão ao chegar ao país. Segundo Liliana, a intenção foi mapear os imigrantes. Hoje, não se tem um número exato de quantos estão no Brasil, mas a estimativa é que é em torno de 1,5 milhão. Entre ele, mais de oito mil refugiados de 80 nações diferentes. Além do perfil dos estrangeiros, a pesquisa pôde verificar diversos fatos, inclusive de relatos de tráfico de pessoas, principalmente no Norte e Sudeste.


O estudo também desenhou a rota dos haitianos que entram no Brasil. Por via terrestre, a rota principal é pelo Acre. Os primeiros que vieram para o país, segundo o estudo, sofreram xenofobia, além de críticas pela abertura das fronteiras. O documento mostra um detalhe importante: a questão da imigração na região só virou tema de debate agora, mesmo o Acre abrigando centenas de bolivianos ou peruanos. “Bolivianos e peruanos são praticamente invisíveis aos olhos do poder público, gerando poucas ações governamentais efetivas”, observa o relatório sobre o estado.
O Amazonas, mais concretamente a cidade de Tabatinga, na fronteira com a Colômbia, foi a segunda porta de entrada dos haitianos, mas em menor escala. Enquanto que pelo Acre chegaram pelo menos 28 mil estrangeiros provenientes de Porto Príncipe, pelo estado vizinho entraram em torno de cinco mil pessoas. E a questão dos imigrantes “invisíveis” também existe por lá. Do outro lado do Rio Solimões estão a cidade de Letícia, na Colômbia, e a vila de Santa Rosa, no Peru. A população de ambas as localidades transita normalmente por território brasileiro, com ou sem documentos de imigração.
Um fato chamou a atenção dos pesquisadores em Roraima. O estado tem forte fluxo migratório, mas há uma espécie de invisibilidade quanto a eles. O motivo é a falta de estrutura dos órgãos públicos no atendimento. Isso pode representar no futuro, um grande problema, que é a entrada de haitianos no Brasil pelo estado. Isso pelo fato de a estrada ligando Lethem – na fronteira com o Brasil – a Georgetown, estar sendo reformada. A capital da Guiana é próxima do Caribe.  
Pará e Amapá, apesar de próximos da Guiana Francesa, são dois estados que possuem imigrantes, mas são quase imperceptíveis. Assim como Alagoas e Tocantins que, a não ser turistas, não tem atrativos para imigrantes, seja ele reassentado ou refugiado. O mapa gerado pela pesquisa mostra que São Paulo, além de nigerianos, bolivianos e haitianos, que são maioria, tem estrangeiros de praticamente todas as nacionalidades.Os sírios que estão entrando no Brasil se concentram mais em São Paulo, em pequena quantidade em outros estados e no Distrito Federal. No Rio de Janeiro estão pessoas vindas do Congo, fugindo da guerra civil, de Angola, e do Haiti.
Ressabiados de tanta promessa, os imigrantes de São Paulo relutam em conversar com os brasileiros. “Algumas nacionalidades, como os haitianos e bolivianos, estão cansadas da constante abordagem pela mídia e se mostram reticentes a participar de entrevistas, pois consideram que o esforço de evidenciar os problemas vivenciados não trouxe resultados às suas demandas”, relatam os pesquisadores, ao justificarem as dificuldades em obterem mais informações sobre a situação dos estrangeiros na capital paulista.
A pesquisa
A pesquisa localizou todas as categorias migratórias: refugiados, solicitantes de refúgio, migrantes econômicos, pessoas que deixam seu país por questões humanitárias e deslocamentos ambientais. Além disso, há os grupos considerados vulneráveis, como as mulheres, os idosos e as crianças, entre outros casos, como dos haitianos, considerados imigrantes em situações de crise. Chegam ao Brasil muitos homens, mas o número de mulheres está crescendo. A média de idade dos estrangeiros é de 18 a 40 anos.
Um detalhe assinalado pela pesquisa é à entrada dos imigrantes no país. Para que eles possam ficar no país de forma legal, os estrangeiros solicitam o refúgio. Isso acontece mesmo que a pessoa não se enquadre nos requisitos solicitados pelo governo. O motivo, conforme o relatório do estudo, é que as formas de regularização migratória no país são poucas. 

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