terça-feira, 24 de novembro de 2015

Imigrantes são monitoradas por tornozeleiras nos EUA

Numa tarde recente, Grace, uma mãe de 33 anos vinda de El Salvador, sentou-se num banco da estação de trem da cidade de Long Island, nos EUA, cruzou as pernas colocando o tornozelo sobre o joelho, desenrolou com cuidado a barra da calça jeans boca-de-sino e apontou para o objeto de plástico preto do tamanho de um punho fechado preso ao seu tornozelo. Uma pequena luz verde clara piscou, indicando que o dispositivo estava carregado.
"Não quero que ninguém veja", disse ela. "As pessoas não entendem. Elas olham para ele e pensam: 'o que você fez?'"
Depois de passar quase 14 meses em centros de detenção de imigrantes no Novo México e no Texas, Grace e sua filha de 14 anos se mudaram para Long Island em setembro. Elas fazem parte de uma população crescente de famílias de imigrantes sem documentos, mais de 550 na região de Nova York, que foram soltas depois que um juiz federal decidiu que os procedimentos de detenção do governo Obama violavam um acordo judicial antigo sobre a custódia de crianças por parte da imigração federal.
A decisão da juíza Dolly M. Gee determinou que os detidos fossem soltos rapidamente e, embora o governo tenha recorrido, o número de imigrantes ilegais em prisão familiar tem diminuído significativamente.
A maioria das mulheres presas foram libertadas com a condição de usar monitores no tornozelo, o que as famílias chamam de "grilletes", grilhões em espanhol --aparelhos de GPS normalmente usados para rastrear criminosos e cada vez mais usados como ferramenta para rastrear imigrantes sem documentos sob ordem de deportação.
Grace recebeu a tornozeleira quando foi liberada do Centro Residencial Familiar do Sul do Texas, na pequena cidade de Dilley, 120 quilômetros ao sul de San Antonio. Doze dias depois, ela se apresentou na Federal Plaza, 26, em Lower Manhattan, onde um funcionário de imigração informou-lhe sobre o processo de monitoramento e o que esperar nas audiências de tribunal, entre outras coisas.
Autoridades federais dizem que o uso de monitores de tornozelo é uma alternativa mais econômica que a detenção. Enquanto manter uma pessoa presa em Dilley custa cerca de US$ 296 por dia, um monitor tornozelo custa cerca de US$ 4,50 por dia. O número de detentos em Dilley caiu drasticamente, de cerca de 2.100 no verão para 648 na semana passada. Os monitores "ampliam nossos esforços de controle da fronteira", disse Bryan Cox, porta-voz do departamento de Imigração e Alfândega. Seu uso faz parte do que a agência chama de Programa de Supervisão Intensiva de Localização, em tradução livre.
Mas alguns militantes dizem que os monitores não são só estigmatizantes, mas também desnecessários. De acordo com as estatísticas publicadas este ano por uma divisão do Departamento de Segurança Interna, quase 90% das famílias detidas que dizem ter medo de voltar a seus países de origem passaram por uma triagem inicial para se qualificar para receber asilo. Agora que essas famílias estão livres para se defender em casos de imigração no sistema judiciário, elas tem "todo o incentivo" para comparecer às audiências, disse Elora Mukherjee, professora da Faculdade de Direito de Columbia, que representa famílias em Dilley.
"Monitores no tornozelo são apropriados para certas populações", disse Mukherjee. "No caso de criminosos acusados de crimes violentos, pode fazer sentido acompanhar onde eles vão, com quem estão se comunicando. Estamos lidando com uma população totalmente diferente aqui --as vítimas de violência, sobreviventes de traumas, pessoas vulneráveis que passaram por tanta coisa e não precisam carregar um lembrete físico do que já passaram."
Grace, que não quis que seu nome completo fosse divulgado por causa de sua situação de imigração, mostrou uma foto do tornozelo com o monitor desligado, com uma ferida vermelha na pele.
"É como se eles nos dessem liberdade, mas não liberdade total. É o mesmo jogo psicológico que a detenção", disse Grace. "Eles não estão nos libertando totalmente. É assim: 'se você fizer algo errado, se não disser que vai viajar, vamos prendê-la de novo'", disse ela. Pior, é um lembrete da deportação. Ela já foi deportada uma vez.
Em 2007, Grace saiu de El Salvador com sua filha, fugindo de ameaças de extorsão e de morte por uma gangue famosa por seus atos de violenta. Depois de ser presa perto da fronteira, elas foram levadas a um centro de detenção em Taylor, Texas, que era usado para deter mães e crianças até 2009, quando o governo Obama interrompeu a detenção de famílias em larga escala antes de retomar a prática no ano passado.
Grace e sua filha logo foram deportadas. "Mas eles sabiam onde estávamos", disse ela, referindo-se à gangue. "Eles estão em toda parte em El Salvador." As mães solteiras na América Central são especialmente vulneráveis à violência das gangues, e a extorsão se intensificou contra Grace. El Salvador está cada vez mais violento, com uma das maiores taxas de homicídio do mundo. Em julho de 2014, Grace e sua filha fugiram novamente. O marido dela já tinha fugido de El Salvador em 2006, e estava morando em Long Island.
Mas ela foi capturada perto da fronteira novamente e detida primeiro em um centro temporário com 700 leitos em Artesia, Novo México, para mães que cruzam a fronteira com os filhos, depois, num complexo em Karnes City, Texas, antes de ser levada para o centro Dilley, onde elas passariam os próximos oito meses e meio.
"Sempre havia a ameaça de deportação, a todo momento", disse ela, e começou a chorar. "Nós sempre resistimos. Só Deus sabe quantas lágrimas derramamos lá."
Grace e outras quatro mães foram liberadas de Dilley no mesmo dia, todas com monitores de tornozelo, que normalmente devem ser usados por três meses, a partir dos quais a supervisão diminui.
Eles comemoraram a nova liberdade, mas lamentaram o estigma dos monitores.
"Outro dia eu fui a um restaurante", disse uma mãe solteira do Equador, que foi libertada do centro da Dilley um mês antes de Grace e agora mora no Queens. "Eles olharam para mim e me perguntaram o que era." Ela disse que tentou explicar a sua situação, mas as pessoas no restaurante não entenderam. Em casa, seu filho de 12 anos de idade repete a mensagem que o monitor emite em espanhol: "Carregue a unidade. Carregue a unidade".
A vida dela no Queens é tranquila, e segura. Depois de deixar seu filho na escola e antes das aulas de inglês à tarde, ela sai para longas caminhadas com o cachorro, mesmo que o monitor lhe cause bolhas. Ela sente como se Dilley a tivesse seguido até o Queens. "Eu estou do lado de fora, e isso é o que importa", disse ela. "Chega de chorar", ela repetiu para si mesma. "Eu quero me sentir livre, à vontade."
Uol
Tradutor: Eloise De Vylder


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