Numa tarde recente,
Grace, uma mãe de 33 anos vinda de El Salvador, sentou-se num banco da estação
de trem da cidade de Long Island, nos EUA, cruzou as pernas colocando o
tornozelo sobre o joelho, desenrolou com cuidado a barra da calça jeans
boca-de-sino e apontou para o objeto de plástico preto do tamanho de um punho
fechado preso ao seu tornozelo. Uma pequena luz verde clara piscou, indicando
que o dispositivo estava carregado.
"Não
quero que ninguém veja", disse ela. "As pessoas não entendem. Elas
olham para ele e pensam: 'o que você fez?'"
Depois
de passar quase 14 meses em centros de detenção de imigrantes no Novo México e
no Texas, Grace e sua filha de 14 anos se mudaram para Long Island em setembro.
Elas fazem parte de uma população crescente de famílias de imigrantes sem
documentos, mais de 550 na região de Nova York, que foram soltas depois que um
juiz federal decidiu que os procedimentos de detenção do governo Obama violavam
um acordo judicial antigo sobre a custódia de crianças por parte da imigração
federal.
A
decisão da juíza Dolly M. Gee determinou que os detidos fossem soltos
rapidamente e, embora o governo tenha recorrido, o número de imigrantes ilegais
em prisão familiar tem diminuído significativamente.
A
maioria das mulheres presas foram libertadas com a condição de usar monitores
no tornozelo, o que as famílias chamam de "grilletes", grilhões em
espanhol --aparelhos de GPS normalmente usados para rastrear criminosos e cada
vez mais usados como ferramenta para rastrear imigrantes sem documentos sob
ordem de deportação.
Grace
recebeu a tornozeleira quando foi liberada do Centro Residencial Familiar do
Sul do Texas, na pequena cidade de Dilley, 120 quilômetros ao sul de San
Antonio. Doze dias depois, ela se apresentou na Federal Plaza, 26, em Lower
Manhattan, onde um funcionário de imigração informou-lhe sobre o processo de
monitoramento e o que esperar nas audiências de tribunal, entre outras coisas.
Autoridades
federais dizem que o uso de monitores de tornozelo é uma alternativa mais
econômica que a detenção. Enquanto manter uma pessoa presa em Dilley custa
cerca de US$ 296 por dia, um monitor tornozelo custa cerca de US$ 4,50 por dia.
O número de detentos em Dilley caiu drasticamente, de cerca de 2.100 no verão
para 648 na semana passada. Os monitores "ampliam nossos esforços de
controle da fronteira", disse Bryan Cox, porta-voz do departamento de
Imigração e Alfândega. Seu uso faz parte do que a agência chama de Programa de
Supervisão Intensiva de Localização, em tradução livre.
Mas
alguns militantes dizem que os monitores não são só estigmatizantes, mas também
desnecessários. De acordo com as estatísticas publicadas este ano por uma
divisão do Departamento de Segurança Interna, quase 90% das famílias detidas
que dizem ter medo de voltar a seus países de origem passaram por uma triagem
inicial para se qualificar para receber asilo. Agora que essas famílias estão
livres para se defender em casos de imigração no sistema judiciário, elas tem
"todo o incentivo" para comparecer às audiências, disse Elora
Mukherjee, professora da Faculdade de Direito de Columbia, que representa
famílias em Dilley.
"Monitores
no tornozelo são apropriados para certas populações", disse Mukherjee.
"No caso de criminosos acusados de crimes violentos, pode fazer sentido
acompanhar onde eles vão, com quem estão se comunicando. Estamos lidando com
uma população totalmente diferente aqui --as vítimas de violência,
sobreviventes de traumas, pessoas vulneráveis que passaram por tanta coisa e
não precisam carregar um lembrete físico do que já passaram."
Grace,
que não quis que seu nome completo fosse divulgado por causa de sua situação de
imigração, mostrou uma foto do tornozelo com o monitor desligado, com uma
ferida vermelha na pele.
"É
como se eles nos dessem liberdade, mas não liberdade total. É o mesmo jogo
psicológico que a detenção", disse Grace. "Eles não estão nos
libertando totalmente. É assim: 'se você fizer algo errado, se não disser que
vai viajar, vamos prendê-la de novo'", disse ela. Pior, é um lembrete da
deportação. Ela já foi deportada uma vez.
Em
2007, Grace saiu de El Salvador com sua filha, fugindo de ameaças de extorsão e
de morte por uma gangue famosa por seus atos de violenta. Depois de ser presa
perto da fronteira, elas foram levadas a um centro de detenção em Taylor,
Texas, que era usado para deter mães e crianças até 2009, quando o governo
Obama interrompeu a detenção de famílias em larga escala antes de retomar a
prática no ano passado.
Grace
e sua filha logo foram deportadas. "Mas eles sabiam onde estávamos",
disse ela, referindo-se à gangue. "Eles estão em toda parte em El
Salvador." As mães solteiras na América Central são especialmente
vulneráveis à violência das gangues, e a extorsão se intensificou contra Grace.
El Salvador está cada vez mais violento, com uma das maiores taxas de homicídio
do mundo. Em julho de 2014, Grace e sua filha fugiram novamente. O marido dela
já tinha fugido de El Salvador em 2006, e estava morando em Long Island.
Mas
ela foi capturada perto da fronteira novamente e detida primeiro em um centro
temporário com 700 leitos em Artesia, Novo México, para mães que cruzam a
fronteira com os filhos, depois, num complexo em Karnes City, Texas, antes de
ser levada para o centro Dilley, onde elas passariam os próximos oito meses e
meio.
"Sempre
havia a ameaça de deportação, a todo momento", disse ela, e começou a
chorar. "Nós sempre resistimos. Só Deus sabe quantas lágrimas derramamos
lá."
Grace
e outras quatro mães foram liberadas de Dilley no mesmo dia, todas com
monitores de tornozelo, que normalmente devem ser usados por três meses, a
partir dos quais a supervisão diminui.
Eles
comemoraram a nova liberdade, mas lamentaram o estigma dos monitores.
"Outro
dia eu fui a um restaurante", disse uma mãe solteira do Equador, que foi
libertada do centro da Dilley um mês antes de Grace e agora mora no Queens.
"Eles olharam para mim e me perguntaram o que era." Ela disse que
tentou explicar a sua situação, mas as pessoas no restaurante não entenderam.
Em casa, seu filho de 12 anos de idade repete a mensagem que o monitor emite em
espanhol: "Carregue a unidade. Carregue a unidade".
A
vida dela no Queens é tranquila, e segura. Depois de deixar seu filho na escola
e antes das aulas de inglês à tarde, ela sai para longas caminhadas com o
cachorro, mesmo que o monitor lhe cause bolhas. Ela sente como se Dilley a
tivesse seguido até o Queens. "Eu estou do lado de fora, e isso é o que
importa", disse ela. "Chega de chorar", ela repetiu para si
mesma. "Eu quero me sentir livre, à vontade."
Uol
Tradutor: Eloise De Vylder
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