Segundo a pesquisadora norte-americana Leah Zamore, Brasil pode tirar proveito da vinda de refugiados
O mundo vive a maior crise humanitária dos últimos 60 anos. Refugiados
da África e do Oriente Médio que tentam chegar à Europa de barco correm o risco
de morrer no trajeto. Outros sobrevivem, mas enfrentam xenofobia ou condições
precárias nos países de abrigo.
Com tradição no acolhimento de imigrantes, o Brasil oferece uma atraente
alternativa para populações em fuga e pode tirar grande proveito – inclusive
econômico – da chegada dos estrangeiros, diz a pesquisadora americana Leah
Zamore.
"Os refugiados trazem capital humano, ideias e habilidades que os
moradores locais podem não ter, aceitam trabalhos que outros não aceitariam, e
muitos querem ter negócios próprios, criando oportunidades de emprego",
ela afirma.
Graduada em Harvard (EUA), com mestrado em migração forçada por Oxford
(Grã-Bretanha) e doutorado em direito por Yale (EUA), Zamore foi consultora da
agência da ONU para refugiados em Genebra e trabalhou com populações deslocadas
em vários países da África.
Há poucos meses no Brasil, onde pretende continuar seu trabalho com
refugiados, ela diz em entrevista à BBC Brasil que o país tem tido uma postura
louvável na crise atual, mas ganhará muito mais se investir na integração dos
que têm chegado.
Para isso, afirma que é preciso "combater a percepção de que
refugiados são uma ameaça" e convencer a população de que gastar com os
novos moradores compensa, mesmo em tempos de problemas econômicos.
Segundo o governo brasileiro, vivem hoje no país 8,5 mil refugiados
reconhecidos, em sua maioria sírios (2.097). Nos últimos meses, a presidente
Dilma Rousseff tem dito que o Brasil está de "braços abertos" para
receber novos refugiados.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Zamore, concedida
na semana passada em São Paulo.
BBC Brasil - Como o Brasil tem se
portado diante da crise global de refugiados?
Leah Zamore - Acho que o
Brasil está fazendo um trabalho incrível, algo que quase nenhum outro país do
mundo tem feito hoje, que é ter uma política de braços abertos. Sírios no
Líbano ou na Jordânia podem ir à Embaixada brasileira e conseguir um visto.
Eles têm de pagar para vir ao Brasil e isso custa muito dinheiro, mas a
passagem é provavelmente mais barata do que atravessadores cobram para levá-los
à Europa.
O Brasil está agindo assim num momento de tremenda instabilidade
política e econômica interna, o que torna seu gesto ainda mais louvável. Não há
melhor maneira de se destacar no palco internacional.
BBC Brasil – O que um país ganha ao
acolher refugiados?
Zamore - Há um grande
desconhecimento sobre o que são refugiados. Muitos pensam que eles são
simplesmente um peso, mas a maioria dos estudos indica que isso é falso.
O Líbano tem um milhão de refugiados sírios – no país, uma entre quatro
pessoas é refugiada –, e está tendo o maior crescimento econômico desde 2010.
Um estudo recente mostrou que os salários médios na Turquia aumentaram, embora
dois milhões de refugiados sírios tenham entrado no país
BBC Brasil - Como isso se explica?
Zamore - Os refugiados
trazem capital humano, ideias e habilidades que os moradores locais podem não
ter, aceitam trabalhos que locais não aceitariam, e muitos querem ter negócios
próprios, criando oportunidades de emprego. E, quando podem, trazem consigo
dinheiro, recursos e conexões.
Um estudo recente em Cleveland (EUA) mostrou que um investimento de US$
4,8 milhões na recepção de refugiados num único ano gerou um retorno de US$ 50
milhões. [O estudo, promovido por uma consultoria econômica, contabiliza como
retorno todos os gastos dos refugiados com habitação e negócios, além das
despesas de organizações filantrópicas que os auxiliam.]
A média de idade de um refugiado é baixa. Para países cujas populações
estejam envelhecendo, refugiados podem ampliar a mão de obra disponível.
BBC Brasil - O Brasil está fazendo o
suficiente para integrar os refugiados?
Zamore - Integrá-los é
algo muito difícil para qualquer país, especialmente os que atravessam
problemas econômicos.
Uma coisa que a maioria dos países não faz é coletar dados e incluir
refugiados em seus censos populacionais. Isso é importante para entender sua
situação socioeconômica, saber o que faziam antes, que tipo de habilidades têm,
qual sua formação. Como essas informações, fica mais fácil desenvolver
políticas que os ajudem.
O Brasil dá aos refugiados o direito de trabalhar, o que é fantástico,
mas muitas vezes empregadores não sabem como é o documento de um refugiado e se
podem contratá-lo. Alguns países estão educando os empregadores sobre a
legislação para refugiados.
BBC Brasil - Que outras políticas
podem auxiliá-los na adaptação?
Zamore - A primeira
coisa são cursos de línguas. Li que a embaixada brasileira em Beirute (Líbano)
começou a dar aulas de português para sírios que queiram vir ao Brasil. É uma
ideia ótima. Hospedagem temporária também é algo importante.
Países que investem na recepção podem ter enormes benefícios no longo
prazo. Um estudo do Banco Mundial, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou
que, na maioria dos países, imigrantes gastam mais em impostos e contribuições
sociais do que recebem do governo.
É um tipo de investimento que traz retornos dos pontos de vista moral,
legal e econômico.
BBC Brasil - E se nada for feito para
integrá-los?
Zamore - Eles
encontram formas de sobreviver, pois são sobreviventes. Mas, se não tiverem
direito de trabalhar e não puderem se mover livremente, acabam empurrados para
a economia informal, onde enfrentam enormes ameaças de exploração, abusos,
prisões e até deportação.
BBC Brasil - Como convencer a
população de que o Brasil deveria investir na recepção de refugiados num
momento em que o país atravessa dificuldades econômicas?
Zamore - Deve-se
combater a percepção de que refugiados são uma ameaça e um problema. Se as
pessoas percebem que refugiados têm tanto a contribuir não só economicamente,
mas cultural e socialmente, passam a vê-los como oportunidades e membros da
sociedade.
A maioria das pessoas acha que as crises de refugiados são emergências e
que eles precisam de um tratamento temporário até voltar para casa. Mas a
duração média de um desalojamento é 20 anos. É uma situação de bastante longo
prazo, que justifica gastar algum dinheiro agora para colher benefícios depois.
Além de ser a coisa certa a fazer.
BBC Brasil - Por que um refugiado
escolheria morar no Brasil num momento de crise econômica, e não em outros
países mais desenvolvidos?
Zamore - Primeiro
porque o governo disse que os aceitaria, e poucos governos fizeram isso. Para
quem cogita arriscar a vida para tentar ir à Europa, o Brasil oferece uma
alternativa. É também um país com uma longa história de recepção de imigrantes.
BBC Brasil - Há quem diga que
refugiados e imigrantes roubam empregos de moradores locais. O risco existe?
Zamore - Todo influxo
de pessoas pode criar competição para empregos e aumentar o preço das moradias.
Mas há o outro lado da moeda: refugiados também são consumidores e criam
demanda. E eles criam tantos empregos quanto tomam dos outros.
Na Jordânia, por exemplo, não houve aumento de desemprego nas áreas com
grande população de refugiados.
BBC Brasil - Alguns congressistas
disseram que, se o Brasil abrir suas portas a refugiados, poderá atrair membros
de organizações terroristas.
Zamore - Das muitas
ideias sobre refugiados, essa é outra que não tem qualquer amparo nos estudos.
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