quinta-feira, 25 de abril de 2024

MPF cria grupo de enfrentamento do tráfico internacional de pessoas

 

Foto: Antonio Augusto Júnior /Comunicação/MPF

O Ministério Público Federal criou a Unidade Nacional de Enfrentamento ao Tráfico Internacional de Pessoas e ao Contrabando de Migrantes. O grupo operacional foi instituído pela Resolução nº 230/2024, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, aprovada em 2 de abril e publicada nesta terça-feira (23) em Diário Oficial.

O grupo tem a função de identificar, prevenir e reprimir os crimes de tráfico internacional de pessoas e de contrabando de migrantes. Os integrantes da Unidade Nacional devem executar, como procuradores naturais, os atos de investigação e responsabilização criminal desses crimes e os conexos, em conjunto com a polícia judiciária ou por meio de procedimento próprio.

A Unidade Nacional de Enfrentamento ao Tráfico Internacional de Pessoas e Contrabando de Migrantes será composto por quatro ofícios de atuação especializada em primeiro grau e dois em segundo, todos de âmbito nacional. A estrutura terá um coordenador e um coordenador adjunto, designados entre seus membros, pelo prazo de dois anos.

Caberá aos membros do grupo operacional instaurar procedimentos investigatórios criminais; acompanhar a tramitação de investigações e inquéritos, requisitando diligências; promover medidas cautelares e ações penais, participando de todos atos de instrução processual; firmar acordo de colaboração premiada; entre outras medidas.

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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Reino Unido aprova expulsão de migrantes ilegais para o Ruanda

Foto Wikipedea 

 O parlamento britânico aprovou a proposta de lei que permite o início dos voos de deportação para o Ruanda dos requerentes de asilo que entrem ilegalmente no Reino Unido. Segundo a BBC, falta apenas a ratificação do Rei Carlos III para que o plano possa entrar em vigor.

A Câmara dos Lordes tinha atrasado a aprovação da proposta, exigindo que um órgão independente confirmasse o estatuto do Ruanda como um país seguro. A câmara alta do parlamento britânico exigia também que agentes ou aliados do Reino Unido no estrangeiro não fossem incluídos no plano.

Segundo a proposta de lei agora aprovada, Londres pagará ao Ruanda em troca do acolhimento de migrantes. O Supremo Tribunal britânico tinha declarado, em novembro, que o plano era ilegal.

Apesar de o Ruanda ser um dos países com maior estabilidade do continente africano, o presidente Paul Kagame está no poder há 24 anos e tem sido acusado de governar através da repressão.

Conselho da Europa lamenta medida

"Estamos prontos. Os planos estão prontos e estes voos serão efetuados aconteça o que acontecer. Nenhum tribunal estrangeiro nos impedirá de realizar os voos", defendeu o primeiro-ministro, Rishi Sunak, em conferência de imprensa na segunda-feira.

Sunak não quis dar pormenores quando lhe perguntaram quantas pessoas se espera que embarquem nos voos nos próximos meses.

O projeto de lei estava bloqueado há dois meses e tem tem andado para trás e para a frente entre as duas câmaras do Parlamento britânico, com os Lordes a proporem repetidamente alterações que depois eram rejeitadas pela Câmara dos Comuns. Os Lordes não têm o poder de anular a legislação, mas têm de dar o seu parecer favorável para que esta se torne lei.

Em comunicado, o comissário do Conselho da Europa para os direitos humanos, lamentou a adoção do plano no parlamento: "O governo do Reino Unido deve abster-se de retirar pessoas ao abrigo do projeto de lei do Ruanda e reverter a efetiva infração da legislação da independência judicial". Na declaração, Michael O'Flaherty frisa ainda que "a gestão do asilo e da migração é, sem dúvida, uma tarefa complexa para os Estados, mas deve ser sempre feita em plena conformidade com as normas internacionais". E sublinha ainda que o preocupa "o facto de o projeto de lei sobre o Ruanda permitir a aplicação de uma política de afastamento de pessoas sem qualquer avaliação prévia dos seus pedidos de asilo por parte das autoridades britânicas na maioria dos casos".

Cinco mortes no Canal da Mancha

Pelo menos cinco pessoas morreram na madrugada de terça-feira, ao tentarem atravessar de barco o Canal da Mancha, horas depois de o Reino Unido aprovar a lei que permitirá deportar migrantes para o Ruanda.

O jornal francês Voix du Nord, citado pela AP, revelou que os corpos foram encontrados na praia de Wimereaux, no norte de França. Entre as vítimas mortais está uma criança. 

Por agora, desconhece-se o número total de desaparecidos. A guarda costeira francesa revelou em comunicado que os migrantes estavam a tentar chegar ao Reino Unido num barco sobrecarregado que levava 110 pessoas. Segundo as autoridades, a embarcação encalhou num banco de areia antes de regressar ao mar. Várias equipas de resgate e salvamento estão no local, tentado localizar pessoas no mar.

https://www.rfi.fr/pt/mundo

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terça-feira, 23 de abril de 2024

Considerado país acolhedor, Brasil recebe apenas 2% dos refugiados no mundo

 

O Brasil é considerado um país acolhedor em razão do Art 5º da Lei nº 9.474/1997 (Lei dos refugiados) – Foto: UNHCR/ACNUR Américas – Flcikr

O senso comum brasileiro diz que o País é acolhedor para pessoas de outros lugares do planeta, mas recebe apenas 2% dos refugiados, segundo a ACNUR, agência da ONU para refugiados. Dados do órgão indicam que 114 milhões de pessoas em todo o mundo, no ano passado, foram deslocadas à força, das quais 731 mil vivem no Brasil, a maioria venezuelanos, seguidos por haitianos e cubanos. No total, o Brasil recebe refugiados de 163 países.

A resposta, segundo a professora de Economia Política da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e coordenadora do Grupo de Estudos Migratórios e Apoio ao Trabalhador Imigrante, Cynthia Soares Carneiro, se deve aos refugiados se abrigarem nos países mais próximos.  “Geralmente os refugiados fogem de ameaças através do país mais próximo, por isso recebemos tantos imigrantes e refugiados da Venezuela.” 

Cynthia Soares Carneiro – Foto: Reprodução Researchgate

A docente relata que o número de refugiados no Brasil vem aumentando devido à abertura da fronteira de Roraima e Venezuela no ano de 2018. “Juridicamente, o Brasil é considerado um país acolhedor, em razão do Art 5º da Lei nº 9.474/1997 (Lei dos refugiados). A lei exige o cumprimento aos direitos fundamentais de uma pessoa humana, proibindo a discriminação entre os nacionais e os não nacionais.”

Cynthia chama a atenção para a diferença que existe entre a situação de refugiado e de imigrante. “Geralmente, os refugiados não têm muito a decisão de vir para o Brasil. Eles precisam ir para um lugar onde eles possam se integrar e viver com segurança.”

Brasil é país de trânsito

Outro motivo para os refugiados virem para o Brasil é o fato de as fronteiras da Europa e dos Estados Unidos estarem fechadas para refugiados e para imigrantes. O Brasil é visto como um país de trânsito, onde os refugiados ficam apenas de passagem. “Isso acontece porque eles preferem outros países, principalmente os venezuelanos, que já possuem uma tradição migratória para os Estados Unidos. Outro motivo é a falta de conhecimento dos refugiados sobre as leis do Brasil.”

Em reportagem do portal da ACNUR, o representante da agência no Brasil, Davide Torzilli, diz que o País historicamente tem tido uma política de asilo, de proteção internacional muito aberta. “O Brasil historicamente tem recebido refugiados de várias partes do mundo, também de crises que são muito distantes, muito longe do Brasil. Através do visto humanitário, o Brasil recebe milhares de refugiados da Síria, do Afeganistão, assim como também está recebendo refugiados da Ucrânia.” 

Políticas públicas

Davide Torzilli – Foto: Linkedin

No ano de 2019, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) declarou que todos os venezuelanos poderiam ser passíveis de refúgio por grave violação de direitos humanos. Foi a primeira vez que o Brasil admitiu o refúgio por graves violações de direitos humanos e não apenas por perseguições, risco de vida e risco à integridade física. “Geralmente apenas países que estavam em guerra podiam pedir refúgio”, relata a professora.

A docente explica que a legislação proíbe o Estado de escolher qual refugiado vai abrigar. “O Estado é obrigado, ele tem o dever de receber um refugiado que solicita refúgio do seu território, porém, para isso acontecer, a pessoa precisa primeiro sair do seu território e depois chegar no território de um outro Estado e nesse outro Estado ele solicita proteção.”

Já o asilo significa que a proteção será dada após a análise do refugiado, ou seja, ele teria que aguardar para poder sair do seu país. Em 1951, o Estado ratificou a Convenção das Nações Unidas, uma convenção feita para proteger os europeus das situações de guerra que assolaram a Europa desde 1905; e foi estendido depois, em 1969, para todas as nacionalidades do mundo que estivessem sofrendo com conflitos armados.

“Os critérios para que o Brasil adote um refugiado não são regras que tendem a avaliar, mas de entender o momento certo de receber ou não os refugiados que solicitam refúgio”, explica a docente.

Existe ainda uma terceira categoria, a Acolhida Humanitária. Nela, o Brasil abriga as pessoas que não se enquadram juridicamente nos requisitos de caracterização do acolhimento de uma pessoa refugiada. 

“O Brasil tem muitas boas práticas e segue com esse compromisso de fortalecer a proteção internacional. E o Brasil vai ser um campeão, seguramente a nível regional, mas também a nível global”, sentencia Torzilli.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior

jornal.usp.br

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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Se celebró la primera Mesa Interministerial de Migraciones de 2024

 Mesa Interministerial de Migraciones

El encuentro fue organizado por el Ministerio de Gobierno.

Este miércoles 17 de abril tuvo lugar la primera reunión de trabajo de 2024 de la Mesa Interministerial de Migraciones, convocada por el Ministerio de Gobierno bonaerense. Este espacio reúne a referentes de distintos ministerios y organismos del Estado provincial que contribuyen a una política transversal para garantizar los derechos de las personas migrantes que viven en el territorio bonaerense.

El encuentro fue presidido por el subsecretario de Relaciones Internacionales e Interjurisdiccionales del Ministerio de Gobierno, Juan Manuel Padín, quien estuvo acompañado por la subsecretaria de Políticas Poblacionales, Ana María Herrán, así como por autoridades de distintos ministerios y organismos del Gobierno provincial.

“Migrar no es un delito ni tampoco un privilegio que otorga un Estado arbitrariamente; es un derecho humano que debe traducirse en acciones concretas, tal y como lo entiende el Gobierno de la provincia de Buenos Aires”, sostuvo Padín y agregó: “Sostenemos y seguiremos haciendo una política inclusiva y de ampliación de derechos: todas las personas que nacieron en nuestra provincia y también quienes la eligen como su hogar tienen que poder ejercer sus derechos y acceder a los servicios públicos en pie de igualdad”.

En Argentina residen unas tres millones de personas nacidas en otros países, y alrededor de la mitad de ellas viven en la provincia de Buenos Aires. Entre la población migrante de nuestra provincia, más del 40% es oriunda de Paraguay, Bolivia y Perú.

Frente al volumen de su población migrante y por la determinación política del Gobierno bonaerense, la Provincia se ha convertido en una firme defensora de la Ley Nacional de Migraciones. Esta norma, promovida por el presidente Néstor Kirchner en 2003 y promulgada en 2004, es un ejemplo en materia de política migratoria con perspectiva de derechos humanos para la región y el mundo.

En el encuentro, realizado en la sede del Organismo Provincial de Integración Social y Urbana (OPISU) en La Plata, participaron autoridades del Ministerio de Gobierno (Subsecretaría de Asuntos Electorales y Parlamentarios, Subsecretaría de Políticas Poblacionales y Subsecretaría de Relaciones Internacionales e Interjurisdiccionales); el Ministerio de Salud (Dirección Provincial de Salud Comunitaria); el Ministerio de Seguridad (Subsecretaría de Participación Ciudadana); el Ministerio de Mujeres y Diversidad (Dirección Provincial de Políticas para la Igualdad); el Ministerio de Trabajo (Comisión Provincial para la Prevención y Erradicación del Trabajo Infantil); el Ministerio de Justicia y Derechos Humanos (Subsecretaría de Política Criminal, Dirección Provincial de Acceso a la Justicia y Asistencia a la Víctima, Dirección de Pluralismo e Interculturalidad, Patronato de liberados); el Ministerio de Desarrollo de la Comunidad (Subsecretaría de Organización Comunitaria y Organismo Provincial de Niñez y Adolescencia); el Ministerio de Comunicación Pública (Dirección Provincial de Comunicación Estratégica); el Ministerio de Desarrollo Agrario (Unidad de Ministro y Dirección Provincial de Agricultura Familiar y Desarrollo Rural); la Dirección General de Cultura y Educación (Subsecretaría de Educación); el Instituto Cultural (Dirección de Diversidad y Prácticas Identitarias); la Jefatura de Asesores del Gobernador (Dirección Provincial de Relaciones con la Comunidad y Registro de las Personas); la Defensoría del Pueblo de la Provincia de Buenos Aires; la Legislatura Bonaerense (presidencia de ambas cámaras, comisión de Relaciones Internacionales del Senado y comisión de Derechos Humanos de Diputados); y el CONICET (Red de investigadores en Derechos Humanos - Eje Migración y Asilo).

gob.ar/gobierno

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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Migrações e Pastoral dos Migrantes

 

 


"Da mesma forma que os movimentos migratórios estabelecem uma ponte de sobrevivência entre a terra de origem e a terra de destino, os agentes e lideranças que os acompanham podem empenhar-se por construir, em correspondência, uma ponte sociopastoral entre os locais de saída e os locais de chegada. Unir os dois lados da ponte através de visitas programadas, missões populares, intercâmbio de informações e de pessoal… Eis uma forma de manter e fortalecer a fé e o esforço dos migrantes na luta por uma sobrevivência justa e digna. Se os migrantes têm dificuldade de ir até a Igreja, esta deve fazer-se presente onde quer que eles estejam", escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, Assessor do Serviço Pastoral dos Migrantes — SPM/São Paulo, em texto preparado especialmente para o 16º Encontro Estadual das CEBs, a ser realizado nos dias 19 a 21 de abril, em São Leopoldo-RS.

Eis o artigo.

Quando abordamos a condição dos migrantes, refugiados, prófugos, itinerantes, etc., emerge naturalmente a expressão “sinal dos tempos”. De fato, é nestes termos que a Doutrina Social da Igreja (DSI) se refere ao fenômeno dessa imensa “multidão dos sem pátria”, a qual, hoje mais do que nunca, erra pelas estradas de todo mundo. Sem falar dos que morrem ou simplesmente desaparecem nas águas do Mediterrâneo, nas areias do deserto ou no anonimato das fronteiras. Mas a temática, evidentemente, não é monopólio de nenhuma instituição, seja ela pública, privada ou religiosa. Trata-se, antes, de um desafio gigantesco que envolve várias instâncias das relações internacionais, do governo, da sociedade civil, das Igrejas, das organizações não governamentais, entidades, movimentos sociais, e assim por diante. Nos parágrafos que seguem, entretanto, o acento recairá sobre a ação sociopastoral e política que se desenvolve no vasto campo da mobilidade humana, de forma particular as atividades ligadas à Igreja Católica. Sem especificar em maiores detalhes, seguiremos o método ver-julgar-agir.

Fotografia da mobilidade humana

Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, boa parte dos estudiosos começam a falar de mudança de paradigma. Não se trata de uma época de mudanças, dizem alguns, mas de uma mudança de época. Ou, ainda, de uma mudança epocal que agita não apenas a superfície sociopolítica das águas, mas sobretudo as correntes subterrâneas da economia e dos valores culturais. A Gaudium et Spes, Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, documento aprovado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, em 1965, já nos alertava: “O gênero humano vive atualmente uma fase nova da história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra” (GS, nº 4).

Os deslocamentos humanos de massa constituem, em geral, uma espécie de termômetro que mede o grau ou a temperatura de semelhantes transformações. Tais movimentos, de fato, ao longo da história, costumam preceder ou suceder modificações de caráter estrutural, tanto de um ponto de vista socioeconômico quanto de um ponto de vista político-cultural. Formam como que as ondas aparentes de terremotos ocultos, sinais visíveis de fenômenos invisíveis. Mais de um século atrás, por ocasião das chamadas migrações históricas provocadas pela Revolução Industrial, o então Papa Leãa XIII abria a Rerum Novarum (1891), documento inaugural da Doutrina Social da Igreja (DSI) com expressões do tipo “sede de inovações” e “agitação febril” (RN, nº 1). Ambas retratam de forma vívida e significativa o vaivém dos migrantes em todas as direções.

Números e trajetórias

Os números relacionados ao fenômeno migratório constituem normalmente causa de não pouca divergência entre sociólogos, demógrafos e estudiosos em geral. A razão é simples: boa parte dos imigrantes, em muitos países, encontram-se em situação irregular, o que os leva a “esconder-se para proteger-se”. Daí a dificuldade de obter estatísticas confiáveis. A Instrução Erga migrantes caritas Christi, publicada em 2004 pelo Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, afirma logo na abertura: “As migrações hodiernas constituem o maior movimento de pessoas de todos os tempos. Nestas últimas décadas este fenômeno, que envolve atualmente cerca de 200 milhões de seres humanos, se transformou em realidade estrutural da sociedade contemporânea, e constitui um problema cada vez mais complexo do ponto de vista social, politico, religioso, econômico e pastoral” (EMCC, Apresentação).

Cabem duas observações. A primeira é que, dez anos depois desse documento vir à luz, em 2014, estimativas da ONU indicam que 232 milhões de pessoas vivem fora do país em que nasceram. Se a isso acrescentarmos o volume de migrantes internos e/ou temporários e dos que se movem diariamente devido ao trabalho, os números tendem a subir de forma considerável. O Conselho Norueguês para Refugiados (CNR), por outro lado, em seu último relatório oficial, publicado em 2012, avaliava em nada menos do que 45,2 milhões o número de refugiados em todo o planeta. Em poucas palavras, somando os migrantes por razões socioeconômicas, os refugiados e prófugos, os exilados e expatriados, os nômades e itinerantes, os marítimos e aeroviários… atingiremos uma cifra nada desprezível frente à população mundial.

A segunda observação refere-se ao conceito de “realidade estrutural” utilizado pelo documento. Com efeito, qualquer análise atual sobre a economia globalizada e a sociedade moderna ou pós-moderna não pode deixar de lado o fator migração, sob o risco de se tornar anacrônica. Historiadores e outros estudiosos renomados, tais como Eric Hobsbawm, Alain Touraine, Boaventura Santos, Manuel Castells, Antonio Negri, Jürgen Habermas – entre outros – dedicam longas páginas e não poucos subtítulos a esse tema da mobilidade humana. Para alguns, os deslocamentos humanos de massa se converteram, pouco a pouco, numa espécie de janela para olhar a sociedade atual e o mundo. Em outros termos, uma chave de leitura privilegiada de qualquer estudo sério e atualizado.

De onde se originam e para onde se destinam os fluxos migratórios mais expressivos? O maior número tende a deixar os países periféricos (ou subdesenvolvidos), migrando em direção aos países centrais (ou desenvolvidos). Trata-se, portanto de um movimento do sul do planeta – Ásia, África e América Latina – em busca de novas oportunidades no norte. Por outro lado, muitas pessoas ou famílias deixam os países do leste europeu, antiga “cortina de ferro” da ex-União Soviética, tentando construir o futuro nos países do oeste. O quadro geral dos deslocamentos humanos, porém, não é tão simplista, a ponto de caber nesse esquema. Ao lado dessas tendências mais significativas, milhões e milhões de pessoas se movem em todas as direções possíveis e imaginárias, de forma temporária ou definitiva.

O mesmo se repete em nível nacional e regional. De acordo com o sociólogo paraguaio Tomás Palau, “a movimentação dinâmica e plural de pessoas nos chamados ‘complexos fronteiriços’, onde se cruzam as fronteiras de dois ou mais países, constitui um dos sintomas mais expressivos da economia globalizada”. Detidos nos aeroportos por Leis de Imigração cada vez mais rígidas e selecionadoras, os trabalhadores pressionam os limites territoriais de seus países de origem, tentando a qualquer preço alcançar o outro lado. Prova disso é o que vem ocorrendo na fronteira entre México e Estados Unidos, no mar que divide o norte da África e o sul da Europa ou na tríplice fronteira da zona de Foz do Iguaçu (Brasil, Argentina e Paraguai) – só para citar alguns exemplos. Trata-se de uma “aventura” que tem deixado um rastro macabro de cadáveres insepultos, tanto nas areias do deserto e nas águas do Mediterrâneo, quanto nas trilhas tortuosas da floresta.

Convém não esquecer, também, o que se poderia chamar de migrações limítrofes. Trata-se do vaivém constante de trabalhadores que se deslocam de uma região para outra, ou de um país para outro, em busca de trabalho, quase sempre temporário. Migram para as safras agrícolas, para projetos governamentais ou para obras de construção civil. A tríplice fronteira entre Chile, Bolívia e Peru é exemplo disso. E vale sublinhar, ainda, o drama dos “desplazados” pela violência em suas mais distintas formas, como é o caso de milhares e milhares de colombianos pressionados entre dois fogos, a guerrilha e o exército. No primeiro caso temos uma migração de resistência: sair temporariamente para não fazê-lo em definitivo; no segundo, uma fuga para os centros urbanos ou para outros países vizinhos.

Nomes e rostos

Mais importante que números, tabelas e estatísticas, entretanto, é a realidade de pessoas, com seus nomes, rostos, histórias e destinos. A mobilidade humana reúne trabalhadores individuais e famílias inteiras, homens e mulheres, jovens e crianças – todos simultaneamente em fuga e em busca. Fuga da pobreza, da miséria e da fome; da violência e dos conflitos armados; da discriminação, do preconceito e da perseguição politica, ideológica ou religiosa… Busca de um solo que os acolha como cidadãos e que possa ser chamado de pátria.

Três adjetivos poderiam ser usados para classificar as migrações contemporâneas. Elas são, ao mesmo tempo, mais intensas, mais complexas e mais diversificadas. Mais intensas que os movimentos de tempos passados. Como já vimos, cresce progressivamente o número de pessoas que se deslocam sobre a face do planeta. Importância decisiva aqui teve a revolução dos transportes e das comunicações. O historiador Peter Gay elegeu o trem e o movimento como duas grandes metáforas do século XIX, com enormes deslocamentos transatlânticos. Segundo ele, entre 1820 e 1920, nada menos do que 62 milhões de pessoas teriam deixado o velho continente europeu em direção às terras novas das Américas, da Austrália e da Nova Zelândia. Que dizer então dos dias atuais!

As migrações são também mais complexas. Em épocas passadas, as pessoas arrancavam as próprias raízes da terra que lhes tinha visto nascer e crescer e onde haviam enterrado seus antepassados. Mas o faziam, em geral, para transplantá-las para outro lugar e aí voltar a enraizar-se como colonos. A origem e o destino dos fluxos migratórios encontravam-se mais ou menos previstos, determinados. Hoje a tendência é uma migração que se repete, constituída de várias etapas, às vezes sem chegar a aprofundar as raízes em nenhum lugar. Uma espécie de vaivém sem fim, com horizontes e perspectivas diversificados. Os movimentos migratórios tendem a navegar conforme o fluxo e refluxo das ondas criadas pela economia globalizada. Um verdadeiro “exército de reserva” que não mora, acampa – como já denunciava o velho Karl Marx. Deslocam-se ao sabor dos ventos e de novas oportunidades de emprego ou subemprego. Movimento circular, pendular – afirmam alguns!

Por fim as migrações são mais diversificadas. Novas pessoas, raças, povos e nações passam a fazer parte do contingente de migrantes. O pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea também se reproduz nas distintas faces dos migrantes. Em algumas cidades como Nova York, Roma, São Paulo, Paris ou Londres – entre as mais cosmopolitas – os moradores praticamente tropeçam diariamente com “os mil rostos do outro”, além de poderem entrar em contato com diferentes idiomas, bandeiras e costumes. Difícil hoje, se não impossível, encontrar um país que de alguma forma não esteja envolvido com o fenômeno das migrações. Uns como lugares de origem, outros como lugares de destino e outros ainda como lugares de trânsito, sem falar de alguns que podem, ao mesmo tempo, representar as três funções, como é o caso do México e Guatemala, de Portugal, Itália ou Turquia.

Radiografia do fenômeno migratório

Não basta, porém, a fotografia. Qualquer médico que se preze, se realmente pretende curar o paciente, deve tratar de conhecer as causas mais profundas da enfermidade. Conhecer o mal pela raiz é conditio sine qua non para receitar o remédio apropriado. O mesmo vale para o fenômeno das migrações. Em grande parte dos casos, estamos diante de deslocamentos compulsórios, forçados, os quais podem ser evitados com políticas adequadas, quer nos países de origem, quer nos países de trânsito e destino. Numa palavra, constituem males que podem ser corrigidos nas relações nacionais e internacionais.

Disso resulta a necessidade de tirar uma radiografia da mobilidade humana. Somente esta pode romper com as aparências às vezes enganosas. E resulta também a relevância de ouvir as histórias de cada migrante, conhecer os diversos valores de cada cultura, bem como acompanhar os estudos mais aprofundados sobre a realidade das migrações. A radiografia revela não apenas a pele, mas os ossos, os ógãos interiores e o coração. Com isso, como veremos, pode-se desenvolver uma pastoral mais eficaz.

Motivações imediatas

Perguntemos a qualquer migrante: por que você deixou a sua terra natal e migrou para outra região ou outro país? O que o levou a dar um passo tão arriscado e às vezes sem retorno? As respostas podem ser as mais diversas. Alguns dirão que tinham o desejo de conhecer outros lugares, outros poderão referir-se um um período de seca prolongada ou a uma forte inundação; outros ainda mostrarão as cicatrizes de conflitos armados ou se lembrarão com pesar dos familiares que pereceram vítimas da violência. Muitos dirão simplesmente que decidiram seguir o caminho de um parente ou amigo que os precedeu; depois, eles mesmos chamaram seus conhecidos e dessa forma vai se recompondo a rede familiar.

Um grupo considerável sai em razão da saúde, buscando lugares onde o atendimento é melhor, mais rápido e dispõe de equipamentos modernos; não poucos jovens, de ambos os sexos, após o estudo elementar e secundário, procuram lugares onde podem continuar com os estudos superiores, com vistas à profissionalização e emprego. Mas as expressões “trabalho”, “futuro mais promissor” e “vida melhor” praticamente aparecerão em todas as respostas. Também tem sido comum falar de “hemorragia de cérebros” ou “fuga de talentos”. Neste tipo de visão vêm à tona, com toda a naturalidade, os chamados fatores de expulsão e de atração. Mas a primeira resposta do migrante e a primeira impressão de quem o ouve podem ser enganosas. As motivações imediatas costumam esconder causas mais profundas. Aqui também a fotografia carece de uma radiografia.

Causas remotas

Em grande parte dos fluxos migratórios, o contexto socioeconômico de origem é marcado por um dupla contradição. De um lado, ilhas de riqueza num oceano de pobreza e miséria, onde convivem lado a lado a concentração de renda e a exclusão social. A linha que divide o Primeiro e o Terceiro Mundo, na verdade, passa pelo interior de cada país e até mesmo de cada região. De outro, desde o início da década de 1970, assiste-se a uma crise prolongada e estrutural do sistema capitalista de produção que faz aumentar o movimento circular de imensas massas humanas em todo mundo. A crise se abate, em primeiro lugar, sobre as pessoas mais vulneráveis, e estas se vêm forçadas a buscar em terras distantes melhores oportunidades de vida, no rastro mesmo do acúmulo de capital.

Tomemos o exemplo dos que responsabilizam uma longa estiagem pela saída da terra natal. Em princípio, a resposta não é incorreta, e sim incompleta. Se é verdade que a falta prolongada de chuvas faz as pessoas deixarem a própria região ou país, é igualmente certo que ela, por si só, não determina o êxodo em massa. A seca não faz mais do que marcar a hora da partida, mas por trás desse flagelo existe uma estrutura agrária e agrícola que desde longa data priva as pessoas de qualquer tipo de defesa. Isso se comprova pelo fato de que os grandes latifundiários, com ou sem chuva, permanecem aí. O que expulsa, portanto, não é a seca, mas a cerca! Ou seja, as condições injustas e desiguais da propriedade e posse da terra.

Vale o mesmo para outros tipos de respostas simples ou de análises a olho nu. No pano de fundo da mobilidade humana em geral, a visão imediatista, superficial ou simplesmente conjuntural muitas vezes oculta as causas mais profundas e estruturais. Na imensa maioria dos casos, prevalecem como raiz da migração uma situação social e econômica adversa à permanência no local de origem. Falta de trabalho e salário decente, precariedade no sistema público de saúde e educação, relações trabalhistas análogas à escravidão, cultura patriarcal em que a mulher é totalmente submissa ao poder masculino, exploração do trabalho infantil (sem confundir com a iniciação sadia das crianças a determinados serviços por parte de algumas famílias) – constituem alguns exemplos de tal situação.

Em certos países e regiões, tratam-se de verdadeiros resíduos medievais em pleno século XXI. Nisto o capitalismo revela uma de suas faces ocultas mais flagrantes e perversas: paradoxal e contraditoriamente, com a contínua revolução tecnológica, coexistem por um lado os implementos de tecnologia mais avançada, de ponta, e por outro formas de trabalho há tempo execradas e banidas pela luta sindical ao longo da história. Como afirma o sociólogo José de Souza Martins, podem conviver lado a lado formas não capitalistas dentro de um sistema capitalista de produção.

Outras causas dos deslocamentos de massa estão relacionadas, como vimos acima, com a perseguição política, ideológica ou religiosa que obriga à fuga; com formas de preconceito, xenofobia e discriminação étnica ou de credo; com os conflitos armados dentro de um mesmo país (p.ex. Líbano) ou entre dois Estados diferentes e beligerantes  (p.ex. Israel e Palestina, Rússia e Ucrânia); com os confrontos entre facções rebeldes e as forças do exército (p.ex. Colômbia); com a violência em todas as suas formas, particularmente o tráfico de seres humanos provocado pelo crime organizado; com a disputa pelo controle do tráfico de drogas e armas (p.ex. México, Colômbia e Brasil); com o trabalho temporário, o qual, no decorrer dos anos pode levar a uma migração definitiva.

Um olhar bíblico-teológico-pastoral

Existem três maneiras de ler o fenômeno das migrações à luz da Palavra de Deus. A primeira se reduz a tomar um episódio bíblico ou um determinado livro – respectivamente os Discípulos de Emaús ou o Livro de Rute – e a partir dessa aproximação busca aprofundar o tema. A segunda toma textos bíblicos que se relacionam à temática migratória, costurando com eles uma reflexão de caráter teológico, espiritual ou pastoral. A terceira, por fim, trata de ler toda a Palavra de Deus na perspectiva da mobilidade humana, com o enfoque de uma teologia ou espiritualidade do caminho. Sem desconsiderar as demais vias, seguiremos esta última, tomando apenas alguns textos paradigmáticos, do Antigo Testamento e outro do Novo Testamento, para ilustrar essa experiência de um povo a caminho.

Olhar o migrante com os olhos de Deus

Com relação à antiga aliança podemos focalizar o olhar sobre o que os especialistas chamam de “credo histórico” do Povo de Israel: Dt 26, 5-10, em sua versão mais elaborada e Ex 3, 7-10, numa versão mais primitiva. Trata-se, como se sabe, da experiência que ajudou a fundar o próprio Israel enquanto Povo de Deus. Confrontando as duas versões, encontraremos quarto verbos na primeira pessoa do singular, todos atribuídos a Deus, que nos apontam para um fio condutor que haverá de permear toda a Bíblia. Diz Javé: eu vi a aflição do meu povo no Egito, eu ouvi seu clamor sob o peso da escravidão, eu conheço seu sofrimento e eu desci para libertá-lo e o conduzir a uma terra onde corre leite e mel.

As quatro formas verbais – vi, ouvi, conheço e desci – denotam que, por ocasião de sua “experiência fundante”, os israelitas desenvolveram a teologia e a espiritualidade de um Deus que não somente está atento à situação concreta do povo na terra da escravidão, mas sobretudo desce para acompanhá-lo nos caminhos do êxodo e do deserto; mais tarde, do exílio e da diáspora. Esse ato de descer se realizará plenamente com o mistério da encarnação. Aqui o importante é sublinhar a sensibilidade e solidariedade de um Deus próximo e que, frente à opressão do Faraó, toma partido em favor dos sofredores e humilhados. Numa palavra, um Deus que privilegia os pobres, não pelo simples fato de serem pobres nem por serem necessariamente “bons”, e sim porque são vítimas de circunstâncias históricas adversas.

O movimento profético, por sua vez, não faz senão atualizar essa mesma teologia e espiritualidade para os tempos conturbados da monarquia e do exílio. O binômio da aliança – libertação e promessa – se reveste de novo vigor. Daí seu tríplice enfoque do profetismo: a lembrança de que “foste escravo no Egito” e por isso agora não deves oprimir nem o estrangeiro que mora contigo e muito menos teu próprio irmão; a denúncia frente às diversas formas de opressão, pois “vós chefes de Israel esqueceram o direito e a justiça, trituram os ossos do meu povo, fazendo dele carne de panela”, dirá o profeta Miquéias (Mq 3, 1-2); enfim, o anúncio, que aparece como o respiro de um povo oprimido, esperando a promessa da Jerusalém Celeste, de “um novo céu e uma nova terra” (Is 65, 17-25).

Quanto aos textos neotestamentários, podemos deter-nos sobre dois textos de relevância fundamental. De um lado, logo na abertura de seu Ministério Público, o profeta itinerante de Nazaré (John P. Meier) toma o Livro de Isaías para anunciar aquilo que se convencionou chamar o “programa de Jesus” (Lc 4, 16-20; Is 61, 1-2). Revela-se desde o início sua predileção pelos oprimidos, escravos, prisioneiros e pobres, o que retoma em outros termos a expressão “órfão, viúva e estrangeiro” do AT. No coração do Mestre estão mergulhadas as raízes da “opção preferencial pelos pobres”, pois aí encontrarão carinho especial os marginalizados, indefesos, excluídos e migrantes – “eu era migrante e vocês me acolheram” (Mt 25,35).

De outro lado, o evangelista Mateus costuma interromper a narrativa para introduzir pequenos resumos, como a sublinhar algo que não pode ser esquecido. “Jesus percorria todas as cidades e povoados…”, diz o texto. E prossegue: “Vendo as multidões cansadas e abatidas, teve compaixão porque eram como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 35-38). Duas observações: primeiro, chamar a atenção para o verbo “percorrer”, o qual, por si só, demonstrando a prática pastoral de Jesus, poderia servir para um bom retiro de conversão. Ele não se limita a esperar pelas pessoas no templo (ou na porta da Igreja), mas vai ao encontro dos peregrinos; segundo, entre tais “multidões cansadas e abatidas”, cabe um destaque particular para o volume de migrantes que erram pelas estradas de todo o planeta, muitas vezes órfãos, sós e perdidos.

Olhar a Deus com os olhos do migrante

Quem muito caminha aprende a depurar não somente a bagagem, mas também a alma. Toda a longa travessia ensina a deixar de lado o que é supérfluo e ater-se ao que é essencial. O ato de migrar e remigrar ajuda a discernir o que é indispensável do que é negociável. O caminho, principalmente quando o vaivém se repete uma, duas, três ou mais vezes, traz como lição a sabedoria de despojar-se do que pesa e retarda os passos, para concentrar-se no foco, na meta, no horizonte da própria existência humana. Numa palavra, os pés do peregrino desenvolvem uma mística singular, no sentido de relativizar “as muitas coisas” para absolutizar “uma só coisa” que é a mais importante, como vemos no episódio que narra o encontro de Jesus na casa de Marta e Maria (Lc 10, 38-42). Além disso, de acordo com o cor inquietum de Santo Agostinho, o migrante representa a condição de todo ser humano, peregrino na face da terra, em busca da pátria definitiva.

De acordo com a Doutrina Social da Igreja (DSI), no coração de cada pessoa e no coração de cada cultura existem sementes do Verbo. Ao deslocar-se de um lado para outro, os migrantes são portadores de tais sementes. Lembrando o Bem-aventurado J. B. Scalabrini – “pai e apóstolo dos migrantes” – da mesma forma que as aves e os ventos transmitem o pólen que fecunda a vida, assim também os viajantes de tantas estradas levam consigo expressões e valores que fecundam a tradição cultural de outros povos. Nisso, a migração não deixa de ser um instrumento de evangelização que tende a promover uma depuração e purificação recíproca e permanente das culturas, como nos recorda o Documento de Aparecida. Além disso, o migrante jamais pode ser considerado apenas como vítima de exploração no mercado de trabalho. Se é verdade que, por um lado, ele normalmente é forte candidato aos serviços mais sujos e pesados, mais perigosos e mal remunerados, também é certo que, por outro lado, sua teimosia indômita e imbatível faz dele um protagonista e um profeta do futuro. Por caminhos inóspitos e hostis, ou “por mares nunca dantes navegados” – na expressão do poeta português Camões – o  olhar voltado para Deus costuma ser o farol da “frágil embarcação” de todo migrante.

Nessa perspectiva, a fé e a esperança do povo migrante costuma ser uma luz que aponta novos horizontes para a história, seja ela pessoal, familiar ou coletiva. Em sua bagagem, por mais pobre e exígua que seja, raramente falta algum símbolo da religião de seus ancestrais, e muitas vezes a Bíblia (ou o Corão, para os muçulmanos). Assim que, o ato de migrar, por si só, põe em marcha não somente as expectativas do migrante e sua família, mas também a própria história. Enquanto, por uma parte, o deslocamento compulsório denuncia na origem a incapacidade de muitas nações em conceder uma cidadania digna a seus compatriotas, por outra, no trânsito e no destino anuncia a necessidade de mudanças urgentes e estruturais nas relações nacionais, regionais e internacionais. Em síntese, não seria exagero afirmar que a frase de Martin Luther King – I have a dream (eu tenho um sonho) – constitui uma força motriz na vida do migrante. Parafraseando Euclides da Cunha, “o migrante é antes de tudo um forte”.

Desafios e perspectivas: o que fazer?

Após uma rápida visão da realidade migratória (Partes I e II), seguida de alguns elementos bíblico-teológicos-pastorais de luz e orientação (Parte III), o objetivo desta última parte é o de apontar pistas de ação sociopastoral e política. Mais do que “inventar a roda”, procuramos concentrar a atenção sobre determinadas atividades que, em sua maioria, já estão em curso na Igreja em geral e na Pastoral dos Migrantes em particular.

Acolhida e documentação

A acolhida constitui o DNA da Pastoral dos Migrantes. Trata-se de abrir o coração, as portas e os espaços eclesiais e culturais para “o outro, o estrangeiro, o diferente”. Em termos concretos, acolher significa, antes de tudo, promover uma assistência imediata a quem chega a um novo lugar. Tal assistência, caso a caso, comporta a preocupação com as dimensões pessoal, familiar, social, jurídica, educacional, sanitaria, psicológica… Daí a existência de uma rede de Casas do Migrante, espalhadas tanto nas fronteiras (entre México e Estados Unidos, entre México e Guatemala ou entre Chile, Bolívia e Peru), quanto em algumas metrópoles de grande afluência de migrantes (São Paulo, Santiago, Manaus). Desnecessário acrescentar que, não raro, torna-se de fundamental importância o ensino da língua local.

A acolhida vem acompanhada de um longo processo de regularização dos documentos. Sem estes, todas as portas se fecham, a começar pelo acesso a um emprego decente e com carteira assinada. O trabalho, por sua vez, reabre uma série de oportunidades. Também neste caso, os migrantes podem contar com uma rede de Centros de Acolhida e de Orientação, providos de assistentes sociais, advogados e outros profissionais que podem ajudar a inserir-se e integrar-se mais rapidamente na sociedade de destino. É conhecida e notória a forma grosseira com que muitas autoridades da Polícia Federal tratam os recém-chegados. Sem dúvida, a presença de um profissional infunde-lhes maior confiança.

Direitos Humanos dos Migrantes

O empenho pela defesa dos Direitos Humanos em geral, e dos direitos dos migrantes em particular, constitui uma das características da ação sociopastoral junto ao mundo da mobilidade humana. Boa parte dos imigrantes permanecem por meses, anos, e até décadas (quando não a vida inteira) na precária situação de indocumentados – “sin papiers” ou “sin papeles”. Nessa condição irregular, tornam-se vulneráveis a todo tipo de exploração trabalhista ou sexual e, além disso, presa fácil para a rede mundial do crime organizado.

Sabemos bem qual o peso da palavra “clandestinos” em sociedades como Estados Unidos, Europa, Austrália, Japão, entre outras. Traduz-se concretamente como insegurança, instabilidade, medo e, no fim da linha, processo de repatriação. Infelizmente, no trato com os imigrantes desprovidos de documentação regular, o mesmo ocorre nos países subdesenvolvidos ou emergentes. De tudo isso resulta a necessidade de contar com proteção jurídica para a conquista e/ou defesa dos direitos à vida e à dignidade humana.

Paróquias multiculturais e pluriétnicas

De um ponto de vista estritamente pastoral, nas paróquias de acolhida faz-se necessário resgatar e promover os valores culturais e religiosos dos migrantes. Não é difícil abrir espaço para encontros multiculturais ou pluriétnicos, tais como festa do padroeiro, festa das nações, e assim por diante. Aqui, porém, esconde-se uma ambiguidade que, com frequência, comporta uma armadilha capaz de confundir os incautos. De um lado, o cultivo da lingua original, das expressões culturais e religiosas ajuda a cimentar e manter a coesão do grupo étnico, sobretudo em casos de discriminação, preconceito e hostilidade; de outro lado, contudo, nesse processo de resgate cultural reside o risco de criar guetos cerrados, dificultando assim uma integração natural e mais rápida. Em termos metafóricos, os anjos da tradição religiosa podem converter-se em demônios, promotores de divisão e isolamento. O desafio é encontrar o equilíbrio entre o respeito às diferentes etnias e a integração progressiva na sociedade de chegada.

Resgatar e promover os valores inerentes a cada pessoa, povo e cultura requer, como dimensão primordial, um espaço privilegiado para a história individual e coletiva. Nessa linha, os encontros de migrantes por etnia costumam ser extremamente reveladores. Parte-se do pressuposto que a migração constitui um golpe que deixa feridas, algumas jamais cicatrizadas. Arrancar as raízes e expô-las ao sol escaldante do caminho tem consequências inevitáveis. Normalmente sofre quem parte e sofre quem permanece na terra de origem. Narrar a própria história – como nos ensina a psicologia – é uma forma de exorcizar as sombras que obscurecem seu percurso. Verbalizar o sofrimento ajuda a libertar-se do peso que herdamos do passado. Vale o mesmo para a história do grupo como um todo. Trata-se de promover tempo e espaço para que os próprios migrantes, ao cruzar seus caminhos, possam intercambiar experiências e, com isso, enriquecer-se mutuamente.

Presença na origem e no destino

Da mesma forma que os movimentos migratórios estabelecem uma ponte de sobrevivência entre a terra de origem e a terra de destino, os agentes e lideranças que os acompanham podem empenhar-se por construir, em correspondência, uma ponte sociopastoral entre os locais de saída e os locais de chegada. Unir os dois lados da ponte através de visitas programadas, missões populares, intercâmbio de informações e de pessoal… Eis uma forma de manter e fortalecer a fé e o esforço dos migrantes na luta por uma sobrevivência justa e digna. Se os migrantes têm dificuldade de ir até a Igreja, esta deve fazer-se presente onde quer que eles estejam.

Essa presença da Igreja, simultaneamente no polo de origem e no polo de destino, não é novidade dos tempos atuais. Com efeito, no final do século XIX, Dom J. B. Scalabrini fundou dois institutos religiosos (masculino e feminino) e um instituto leigo para acompanhar os emigrantes italianos, tanto na própria diocese de Piacenza e demais regiões da Itália, quanto do outro lado do oceano: Estados Unidos, Brasil, Argentina, Austrália, entre outros países. Tratava-se, como ele mesmo afirmava, de levar-lhes “o sorriso da pátria e o conforto da fé”. “Para os migrantes” – dizia ainda – “a pátria é a terra que lhes dá o pão”, concluindo que “a migração amplia o conceito de pátria”.

Centros de estudos e de pastoral

Com a finalidade de desenvolver a um trabalho mais eficaz e de maior incidência sociopolítica, torna-se necessário manter uma leitura científica e atualizada do fenômeno da mobilidade humana. Nasceram assim os Centros de Estudos Migratórios, hoje espalhados pela Europa, Ásia, África, América do Norte e América do Sul. Em colaboração e sinergia com outras entidades acadêmicas, realizam pesquisas, estudos, conferências, encontros, cursos e seminários no sentido de envolver o maior número de pessoas, como também de sensibilizar a Igreja, a sociedade civil e as autoridades dos governos para o drama das migrações. Evidente que semelhante leitura aprofundada dos fluxos e tendências, causas e consequências da migração mantém-se estritamente conectada com os itens anteriores. Ela ajuda não somente a incrementar as atividades pastorais, sociais e políticas, mas também incide sobre as mudanças necessárias para novas Leis de Imigração.

Vale a esse respeito sublinhar a realização do Fórum Internacional de Migração e Paz. Em sua 5ª edição (Antigua, Bogotá, Cidade do México, New York e Berlim), o Fórum tem mantido um duplo objetivo: por um lado, desvincular o conceito de migração do pano de fundo da ideologia de segurança nacional e do crime organizado, enfatizando antes suas potencialidades para a busca da paz; por outro, envolver autoridades políticas, expoentes acadêmicos e outras personalidades, na tentativa de maior incidência sociopolítica em favor dos direitos dos migrantes.


Alfredo Gonçalves 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Diálogo e escuta de lideranças vai pautar atuação do Fórum Nacional de Lideranças Migrantes, Refugiadas e Apátridas

 Diálogo e escuta de lideranças vai pautar atuação do Fórum Nacional de Lideranças Migrantes, Refugiadas e Apátridas

Fórum vai atuar para efetivar políticas públicas

O normativo foi assinado pelo ministro Silvio Almeida e publicado nesta sexta-feira (12) no Diário Oficial da União. Com o Fórum Nacional de Lideranças Migrantes, Refugiadas e Apátridas (Fomigra), o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) vai garantir o diálogo e a escuta de lideranças e de representantes de organizações envolvidas para atuar mais efetivamente em relação às políticas públicas para promoção e defesa dos direitos humanos dessas pessoas.

A portaria atribui à Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos a função de coordenação com ação consultiva na formulação, implementação, acompanhamento e monitoramento de políticas públicas de interesse das pessoas migrantes, refugiadas, apátridas e naturalizadas. O Fomigra será formado por lideranças ou representantes de entidades, associações e coletivos que se encontram no Brasil e possuam relação com o tema de migração, refúgio e apatridia.

Em momento oportuno, esses integrantes serão convidados a participar do colegiado pela Secretaria do Ministério, após levantamento e aferição do alcance social, territorial e a identificação de propósitos com a promoção e a defesa de direitos humanos das populações migrantes.

Depois de sua instalação, o Fórum deve elaborar, dentro de 180 dias, seu regimento interno a partir de uma proposta apresentada por sua coordenação. O documento deve tratar, entre outras determinações, da composição dos grupos de trabalho e da Comissão Gestora do Fórum.

gov.br/mdh/pt-b

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terça-feira, 16 de abril de 2024

Corpos em barco à deriva no Pará são de migrantes africanos, aponta PF

 Peritos de Brasília foram enviados para auxiliar nas investigações - (crédito: Redes sociais/ reprodução)


Polícia Federal afirmou que os corpos encontrados em um barco à deriva identificado no Pará são de migrantes africanos. De acordo com os investigadores, ao todo, foram localizados nove corpos, sendo oito na embarcação e um deles na região próxima.

Documentos encontrados com as vítimas apontam que são pessoas que saíram do Mali e da Mauritânia. As diligências apontam que todos fazem parte do mesmo grupo e não se descarta a existência de pessoas de outras nacionalidades.

A investigação segue para saber a causa das mortes e identificar as vítimas que não estavam com documentos no momento em que os corpos foram encontrados.

"O trabalho realizado pelas instituições tem por objetivo estabelecer a identidade dos corpos adotando protocolos de identificação de vítimas de desastres da Interpol (DVI). Além da identidade, os trabalhos periciais terão por objetivo verificar a origem dos passageiros, a causa e o tempo estimado dos óbitos", informou a corporação.

A embarcação foi localizada por pescadores. Equipes de perícia saíram de Brasília para reforçar as equipes do Pará no trabalho de investigação.

correiobraziliense.com.br

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sábado, 13 de abril de 2024

II Comigrar e eleições municipais: o momento é de pautar o direito à cidade pelos imigrantes internacionais


Grupo de refugiados afegãos com visto humanitário acampado no Aeroporto Internacional de Guarulhos - Rovena Rosa/Agência Brasil
Enquanto permanecer sendo vista como problema, a imigração será combustível para discursos de ódio

Por Camila Rodrigues da Silva e Luis Felipe Aires Magalhães

 



Este ano de 2024 marca não apenas os dez anos de realização da I Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (Comigrar), que ocorreu ainda no governo Dilma, como também a organização da II Comigrar, que será em Foz do Iguaçu (PR), entre os dias 7 e 9 de junho. A realização de uma segunda edição dessa conferência expressa os desafios, transformações e potencialidades das migrações internacionais no Brasil nas duas últimas décadas. Por um lado, imigrantes continuam enfrentando dificuldades em encontrar trabalho decente, em acessar serviços públicos – que são universais, e em ter direito à cidade onde vivem. Por outro, é crescente a organização e a mobilização de grupos de imigrantes de diversas nacionalidades, e eles estão articulados em um número cada vez maior de cidades brasileiras. 

Falamos em cidades porque é nesse espaço em que grande parte da inserção sociolaboral e das interações étnico-raciais desses migrantes acontecem. Os postos de saúde, as creches, as escolas de educação básica e os serviços de assistência social, por exemplo, são predominantemente de responsabilidade dos municípios. 

Por consequência, as principais dificuldades enfrentadas por eles guardam uma inegável relação com o direito à cidade. Na dimensão da moradia, a menor bancarização e o não reconhecimento de sua documentação lhes encaminham ao circuito informal de aluguéis, no qual residem em habitações precárias, como cortiços nas regiões centrais e favelas nas periferias urbanas. Nesta situação, sofrem com piores condições de mobilidade e de saneamento. 

Na dimensão do acesso a serviços públicos, o racismo estrutural, o racismo institucional e a xenofobia destroem não apenas o mito da democracia racial como também do país acolhedor, já que essas pessoas não têm igualdade de tratamento. No mercado de trabalho, eles são alocados preferencialmente em atividades laborais mais desgastantes e de maior periculosidade e insalubridade, mesmo no caso daqueles que têm formação técnico-profissional e escolaridade de nível superior.

A despeito de sua presença crescente nas metrópoles brasileiras, seguem invisibilizados, sobretudo em registros e estatísticas civis que não têm o campo nacionalidade para preenchimento, impedindo, por exemplo, um conhecimento mais preciso das internações e óbitos de imigrantes no país, questão central para qualquer política pública de saúde da população migrante. 

Além disso, a gestão urbana, historicamente acostumada a compreender o tema como de competência exclusivamente federal, ainda tem sido incapaz de oferecer serviços para migrantes que compreendam suas especificidades sociais, linguísticas, de documentação e, sobretudo, que estejam próximos aos seus locais de residência e sequer, na imensa maioria dos casos, reconhece a população migrante como sujeito organizado, o que resulta na inexistência de conselhos municipais de imigrantes. Como a legislação ainda impede que imigrantes tenham direito ao voto antes de se naturalizar (processo que, quando ocorre, ainda é demorado e burocrático), resta claro o porquê de a questão imigratória não ser, também, uma pauta nas eleições municipais. 

Também observamos uma distribuição espacial desses imigrantes, considerando capitais e outros municípios de menor porte. Em 2010, 34% dos registros se concentraram no estado de São Paulo, segundo o Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra). Em 2023, essa proporção reduziu para 22%. Em contrapartida, a proporção de registros em Roraima passou de menos de 1% em 2010 para 17% de todos os registros no Brasil em 2023. Os estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Amazonas também passaram a abrigar, proporcionalmente, mais migrantes que no início da década de 2010.

A principal causa dessa ampliação de destinos é a Operação Acolhida, criada em 2017 no Governo Temer, que tem feito a interiorização de venezuelanos que migram pela fronteira terrestre em Roraima. Com ela, o próprio Estado brasileiro está direcionando os imigrantes internacionais não só para capitais, mas para cidades do interior, atraídos por vagas na construção civil e no agronegócio, como Chapecó (SC), Maringá (PR), Dourados (MS) e Lucas do Rio Verde (MT).


Cidades com o maior número de imigrantes no Brasil / Observatório das Metrópoles

Nesse cenário, em que a II Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (II Comigrar) pode avançar no direito à cidade dos milhares de imigrantes que chegaram ao Brasil na última década? 

Embora a nova Lei de Migração (nº 13.445 /2017), fruto da I Comigrar, tenha revogado a submissão do imigrante à Lei de Segurança Nacional, a questão migratória e de refúgio no país continuam enfrentando políticas securitivistas. Entre os exemplos dessa condição está a exclusividade de pastas e secretarias relacionadas à migração e ao refúgio no Ministério da Justiça e da Segurança Pública, o distanciamento de ministérios como dos Direitos Humanos e Cidadania, Igualdade Racial, Desenvolvimento Social e das Cidades desta temática, e a manutenção da Operação Acolhida, estratégia militar de gestão migratória e controle de corpos criada no contexto da intensificação da migração venezuelana. 

Uma consequência importante da forma securitivista de governança migratória é a excessiva concentração na esfera federal dos mecanismos de gestão da migração e do refúgio. Essa decisão, por um lado, obstaculizou durante décadas a criação de políticas públicas para migrantes nos municípios; por outro, impediu maior entendimento das mediações existentes entre migração e questão urbana.

Assim, é apenas recentemente que municípios brasileiros estão criando centros de referência para imigrantes, como é o caso de São Paulo, que possui desde 2013 uma Coordenadoria de Políticas para Imigrantes, criada durante a gestão de Fernando Haddad. Serviços para migrantes são oferecidos também nas cidades de Porto Alegre (RS), Caxias do Sul (RS), Rio de Janeiro ( RJ), Belo Horizonte (MG), Manaus (AM) e Boa Vista (RR), entre outros. 

Nesta conjuntura, é imprescindível que haja tanto organização política de imigrantes para sua maior participação social como também que este ascenço encontre espaços na gestão urbana, quer sob a forma de conselhos municipais, conferências de migração, fóruns interesetoriais, coordenadorias de políticas para migrantes etc. 

Embora estejamos em ano de Comigrar, o avanço em políticas públicas federais pode não se refletir em avanços na ponta se os municípios não reconhecerem a urgência e importância das reivindicações da população migrante, não criarem espaços de participação e seguirem entendendo migrante apenas como problema, e não como sujeito de direitos. 

Aos candidatos e candidatas nestas eleições municipais, importa considerar que políticas para migrantes trazem ganhos para toda a sociedade. Diferentemente do planteado pela extrema-direita e incorporado pelo senso comum sobre o tema, os migrantes não “roubam postos de trabalho”, mas sim os criam, tendo em vista sua propensão ao empreendedorismo. Eles não “deterioram os espaços públicos”, mas os ocupam e dinamizam, comercial e culturalmente. Não “sobrecarregam serviços públicos”, que já estavam defasados antes de sua chegada, mas contribuem para desenvolver formas de atender melhor a população vulnerável, chamam a atenção para o problema da insuficiência da rede de serviços públicos, e ainda podem oferecer sua capacidade técnica e profissional para aperfeiçoá-la. 

Enquanto permanecer sendo vista como problema, a imigração será combustível para discursos e políticas de ódio, fracionando ainda mais o tecido social das metrópoles brasileiras, a segregação e a discriminação étnico-racial. Quando passar a ser compreendida como parte possuidora de direitos e de cidadania plena, a imigração poderá ser então percebida pelo próprio campo progressista como uma força social a mais na luta pela democratização do direito à cidade. 

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato) 

Edição: Thalita Pires

Brasil de Fato 

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